quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O que deveria fazer o Bloco de Esquerda?


Antes de responder à pergunta que dá o título a este texto para debate, é preciso ter presente uma outra: como se define o Bloco de Esquerda?

Convém não ignorar que, perante as pessoas concretas que vivem e trabalham no dia-a-dia, o BE continua como uma espécie de “frente” que agrupa correntes ideológicas que vão desde os maus “puros” estalinistas até a social-democratas com complexos de esquerda. Esta amálgama de correntes começa por transmitir ruído e confusão a quem tenta perceber algo mais sobre as propostas do Bloco.

O Bloco de Esquerda deveria assumir inequivocamente um sentido de afirmação democrática e socialista. Não tem nada a ver com as correntes estalinistas, nem com as correntes social-democratas que não rejeitem o liberalismo e o capitalismo. O Bloco de Esquerda deveria ter uma posição de total repúdio por todas as formas de autoritarismo e totalitarismo.

O Bloco de Esquerda deveria defender a interligação activa entre as formas de democracia participativa com a democracia representativa. Deveríamos defender que é urgente encontrar caminhos para a democracia política e social que vençam a crescente abstenção eleitoral e vençam também os bloqueios que o liberalismo e a dita economia de mercado criaram à participação democrática das pessoas. O poder e o exercício do poder não deve ser algo distante das pessoas que trabalham, que pagam os impostos, que consomem, que vivem o dia-a-dia.

O Bloco de Esquerda parte da realidade das lutas sociais, dos jovens, dos trabalhadores, das mulheres, das incontornáveis classes sociais, para a definição das suas propostas concretas . E é na constatação das limitações endémicas à economia de mercado, i.e. o capitalismo, para a formulação de soluções de justiça social, que o Bloco de Esquerda defende um modelo alternativo de socialismo democrático e libertário. Os adjectivos ao “socialismo” justificam-se pela imensidão de “socialismos” que negam o próprio socialismo …

Partindo desta alternativa de socialismo democrático e libertário, o Bloco de Esquerda deveria diferenciar-se, no plano político e ideológico, dos modelos ditos “socialistas” autoritários e capitulacionistas face ao neo-liberalismo, embora se deva dirigir socialmente a todas as mulheres e homens que se reinvindicam das esquerdas e por outros modelos societários.

No caso concreto da realidade política portuguesa, aquela onde o BE intervém prioritariamente, deveria haver uma assunção estratégica de apelo a uma alternativa de governo à esquerda, baseada nas esquerdas representadas na Assembleia da Republica, como forma de dar expressão política à maioria social de esquerda, expressa em sucessivos actos eleitorais. Ou seja, o Bloco de Esquerda não é uma “vanguarda” dessa alternativa de governo, mas um pólo social e político que luta, com todas as suas forças, pela concretização dessa alternativa.

No quadro dessa maioria social de esquerda, o Bloco de Esquerda deveria também assumir-se, com muita clareza, como o pólo socialista democrático e libertário e, para isso, estaria politicamente empenhado na reorganização do espaço político que é identificado na dita opinião pública como sendo o “espaço socialista” em Portugal. Ou seja, a base social e militante à qual o BE se deveria dirigir permanentemente é a do PS, dos simpatizantes e militantes em ruptura com o PCP (ex.: renovação comunista), dos imensos “independentes de esquerda”, dos ainda agrupados noutros grupos, movimentos e partidos sem expressão eleitoral (menos de 1% nos actos eleitorais).

O Bloco de Esquerda dirige-se a essa base social mantendo sempre presente a mensagem estratégica fundacional: é possível criar condições organizativas para se realizar uma síntese política e ideológica, em condições de democracia e de liberdade, entre todos que pretendam uma alternativa de socialismo que rejeite todos os modelos de autoritarismo, de totalitarismo e de capitulacionismo face ao liberal/capitalismo.

Organizativamente o Bloco de Esquerda deveria reforçar o seu carácter de partido-movimento, aprofundando o seu direito interno de tendência e abrindo a sua organização à adesão de grupos e movimentos sociais e políticos que aceitem, de facto e formalmente, os seus Estatutos aprovados em Convenção Nacional. Consequentemente todos os fóruns e meios de comunicação e informação criados e/ou patrocinados pelo BE deveriam sempre reflectir essa realidade organizativa plural e diversificada. O que constituiria um exemplo em todo o sistema politico e partidário português!

Também no plano organizativo interno, seria salutar, desde um ponto de vista democrático, que a eleição dos órgãos regionais, distritais, concelhios e de freguesia pudessem passar a contar com a escolha democrática, pelos aderentes/militantes, entre diversas listas/propostas na base de programas de acção diferentes e alternativos. O contraditório democrático sempre foi esclarecedor, mobilizador e unitário! Quem não o pratica é que arrisca sempre a periódicas dissidências e colectivas saídas…


Autor: João Pedro Freire

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