sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

José Sócrates no país dos inimputáveis


Perante aquilo que foi revelado na última sexta-feira pelo semanário ‘Sol’, José Sócrates só tinha duas opções minimamente dignas: ou desmentia de imediato tudo o que ali estava escrito ou apresentava nessa mesma tarde a demissão. Infelizmente, a dignidade não costuma receber muitas visitas do primeiro-ministro. Por isso, Sócrates preferiu zurzir contra o jornalismo de “buraco de fechadura”, em mais uma actuação digna do Óscar da cara-de-pau.

Convém que as pessoas ponham na cabeça que já estamos muito para além de qualquer combate ideológico, de qualquer braço-de-ferro entre esquerda e direita. Continuar, neste momento, a defender a actuação do primeiro-ministro perante revelações daquela dimensão não é simplesmente uma divergência de opinião – é uma obscenidade, que não se pode desculpar pela partilha de um cartão cor-de-rosa ou pela devoção a vozes autoritárias e cabelos grisalhos.

Daniel Oliveira escreveu no ‘Expresso’ que “a divulgação de informação sobre escutas telefónicas que não foram usadas pela justiça é um insulto aos direitos cívicos”. Não, Daniel: o que é um insulto aos direitos cívicos é um procurador-geral da República ser confrontado com indícios daquela gravidade e entender que não há nada para investigar. Insulto aos direitos cívicos é ver a política e a justiça enroladas na mesma cama. Insulto aos direitos cívicos e à nossa democracia é José Sócrates e Pinto Monteiro continuarem alegremente nos seus cargos, como se fossem dois inimputáveis dispensados de apresentar contas ao país.

AMOR À PRIMEIRA VISTA: ÀS VEZES JACK BAUER DAVA-NOS JEITO

Já aí está em DVD a sétima temporada da série ‘24’. A receita é antiga, mas funciona. Há sempre uma conspiração complexa que é preciso revelar. Há sempre gente trafulha no governo que é preciso escorraçar.

Há sempre pessoal de confiança que acaba a trair a pátria. E há sempre, claro, Jack Bauer, um homem pouco preocupado com o segredo de justiça.

PALAVRA DO LEITOR: 05 Fevereiro 2010 – 22h26, Senra Barbas

“Opinião sincera: acho que é atribuída demasiada importância aos jornalistas”

E ninguém cometeu mais esse erro do que José Sócrates. Se o primeiro-ministro não tivesse passado tanto tempo a estudar inglês técnico teria percebido o essencial ao ler uns livros de História: não é possível colocar um garrote na comunicação social sem acabar com a democracia.

ENTREVISTAS IMAGINÁRIAS

“NA RTP PREFERIMOS O JORNALISMO DA PORTA ARROMBADA”: José Alberto Carvalho, Director de Informação da RTP

– Os jornais noticiaram um conflito entre si e José Rodrigues dos Santos por causa do processo ‘Face Oculta’. O noticiário das 13 horas da RTP na sexta não referiu o assunto e o da noite ignorou-o durante os primeiros 20 minutos.

– Isso é porque nós na RTP não praticamos o jornalismo de buraco da fechadura. Preferimos o jornalismo da porta arrombada. Deixamos os meios de comunicação mais afoitos irem à frente para forçar a ferragem, e depois de toda a gente mandar a porta abaixo nós aparecemos para espreitar um bocadinho.

– Preocupa-o a violação do segredo de justiça?

– Muitíssimo. É por isso que a RTP nunca viola primeiro. Nós optamos por esperar. Quando o segredo chega às nossas mãos já foi violado tantas vezes que já nem sente nada, coitado.

– E as suas relações com José Rodrigues dos Santos?

– Estão óptimas. Ficou um bocado chateado, mas depois expliquei-lhe que aquilo podia ser um bom começo para o seu próximo romance e ele calou-se. Vai chamar-lhe ‘Asfixia Divina’.

Por João Miguel Tavares (jmtavares@cmjornal.pt) In C.M.

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