segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

OPINIÃO XII


Queimam-se livros em Portugal

Confesso que nunca tive conhecimento da existência de uma prática generalizada de queima de livros num regime democrático. Parecia-me impossível que tal acontecesse, fosse qual fosse a razão.

Esquecia-me que vivemos sob a alçada do neoliberalismo puro e duro e do seu deus supremo, o lucro. Se esse deus determina que se enterrem laranjas, queime trigo ou café, mesmo que haja milhões de seres humanos com fome por esse mundo fora, assim se deve proceder porque, como dizia há poucos dias num canal de televisão um sacerdote neoliberal “com o mercado não se brinca”. Entenda-se por “mercado” o local onde o deus lucro se exibe na sua máxima força. Brinca-se com a fome, a miséria e a ignorância desde que isso signifique encher os bolsos de alguns á custa do sacrifico da maioria.

A propósito das teorias neoliberais aplicadas à cultura em geral a aos livros em particular, atente-se no seguinte comentário do insuspeito Pacheco Pereira na insuspeita revista “Sábado”, uma publicação claramente alinhada à direita:

“Ao público em geral passa despercebida a prática cada vez mais generalizada de destruir milhares de livros em perfeitas condições, quer por parte de entidades públicas quer de editoras privadas.”

Embora haja uma mistura de boato e verdade, que faz com que não se saiba ao certo a dimensão do nosso holocausto de livros, diz-se que a Imprensa Nacional (a editora do Estado), assim como um grande grupo editorial como a Leya já procederam a abates de milhares de livros, usando como pretexto as dificuldades de os manter armazenados, a desadequação dos títulos ao mercado ou o próprio controlo do mercado, eliminando edições antigas para as substituir por novas.”

A queima de livros – é disso que se trata – foi exercida, como prática comum, em especial, pela Inquisição e pelo regime nazi, visando o controlo das mentes dos cidadãos. Não será, agora, esse o caso, mas atente-se numa das razões evocadas: “a desadequação dos títulos ao mercado ou o próprio controlo do mercado”. Ou seja, não dão lucro, destroem-se.

Para terminar, o que choca mais nesta situação é que se encontre envolvida numa prática tão abominável a editora do Estado. Num país ainda com poucos hábitos de leitura seria recomendável que livros em excesso fossem colocados no mercado de saldos mesmo a preços simbólicos ou até oferecidos a instituições onde possam ser úteis. Atirados ao fogo é que não. Nunca!

Luís Moleiro

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