domingo, 29 de maio de 2011

Alerta: Pedro Magalhães. "O eleitorado do BE é mais liberal no sentido económico que o do CDS"


O especialista em sondagens acha que quando Francisco Louçã fala de economia os eleitores do Bloco "pura e simplesmente" não estão a ouvir


Pedro Magalhães é especialista em sondagens, professor universitário no ICS (Instituto das Ciências Sociais) e durante muitos anos dirigiu o centro de sondagens da Universidade Católica. É autor de um livro recente sobre sondagens, numa colecção dirigida pelo sociólogo António Barreto. O universitário defende algumas coisas interessantes: as campanhas servem apenas para mobilizar os respectivos eleitores. As eleições ganham-se com a desmobilização dos adversários e a convocação dos fiéis. O CDS podia ter tantos votos como o PSD, não fosse o voto útil. E os eleitores do Bloco de Esquerda são mais liberais do ponto de vista económico que os do CDS.

Mas nestas eleições não se está a verificar uma passagem de votos do PSD para o CDS e do Bloco de Esquerda para o PS?

Evidentemente que existem. Às vezes nem são precisas sondagens para perceber isso. Em 2005 foram visíveis, a olho nu, transferências de voto do PSD para o CDS de pessoas que eram eleitores tradicionais do PSD, mas não queriam votar no Santana Lopes. Apesar de estes dados não estarem tratados, parece-me que nestas eleições os eleitores do BE estão a deslocar-se para o PS e do PSD para o CDS. Se houver inquéritos pós-eleitorais que analisem ao pormenor, penso que isso se vai confirmar.

Aquilo para que eu queria chamar a atenção é que hoje votam menos de 70% dos eleitores. Destes votantes, metade confirmam em inquérito que simpatizam com um partido. E as pessoas que manifestam uma simpatia por um partido votam quase sempre nesse partido. As transferências de eleitores de um partido para outro são reduzidas, tirando alguns casos: sabemos que entre os eleitores do PS e do BE há comunicação. Quando perguntarmos em que outro partido poderia votar para além do seu, verificamos que há eleitores do PS que podem votar BE e eleitores do Bloco que admitem votar PS. Há forças políticas em que isso não se verifica. Os eleitores da CDU não têm quase transferências com ninguém, o seu eleitorado está encapsulado.

Mas isso não é contraditório com o caso do BE, que não tem poder local, ao contrário do PCP, mas tem neste momento mais deputados?

Sim, mas o BE tem a capacidade, pela sua natureza urbana, de atrair eleitores onde há muitos eleitores, as zonas do litoral e as grandes cidades. Curiosamente, eleitores que parecem dar mais peso às posições do Bloco de Esquerda em temas sociais e culturais que às suas posições económicas. Dou um dado concreto no livro, quando perguntamos às pessoas sobre o peso específico do Estado na economia. Qual é o eleitorado mais liberal? Espantosamente, é o do Bloco de Esquerda. Comparativamente, claro, em Portugal não temos eleitorado pró- -mercado, é uma categoria completamente residual. Mas o eleitorado do BE é mais liberal, no sentido económico do termo, que o eleitorado do CDS. É uma coisa muito curiosa porque mostra que, quando Louçã fala de economia, pura e simplesmente nem estão a ouvir o que ele diz. Votam no Bloco de Esquerda por outras razões. Por serem tendencialmente mais instruídos e mais urbanos, não têm medo do mercado.

Isso pode explicar que nesta crise económica, em que estas questões são centrais, o BE não consiga crescer nas sondagens?

O PCP capitaliza segurando o seu eleitorado. Já o BE tem mais dificuldades, porque o seu eleitorado não se revê nas suas posições económicas. Essa capacidade do seu eleitorado de ignorar o que o BE diz sobre a economia tem-se tornado mais difícil, especialmente desde que o partido Louçã entrou em competição directa com o PCP. Quanto mais o Bloco se assemelha ao Die Link (pós-comunistas alemães), menos se assemelha aos Verdes. E o Bloco de Esquerda ganha mais eleitores quanto menos definido ideologicamente e mais parecido com os Verdes for. A sua aproximação ao PCP retira-lhe capacidade de atracção do eleitorado que tem alimentado o seu crescimento.

O apelo ao voto útil é de facto eficiente?

Sim, se não houvesse o apelo do voto útil, não haveria razão para o CDS não ter quase tantos votos como o PSD. Os seus eleitores são muito parecidos, em perfil sociológico e ideológico com os do PSD. A única diferença é ao nível de rendimento, mas é uma diferença muito ténue. Aquilo que diferencia nos resultados é a hipótese de formar governo e de impedir a eleição de um terceiro. Os eleitores são muito estratégicos. Em círculos pequenos cedem mais ao apelo do voto útil que nos grandes. Não é que eles saibam tecnicamente o que é o método de Hondt, mas percebem as possibilidades práticas do seu voto.

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