segunda-feira, 30 de maio de 2011

Louçã: um dia bem ganho na feira de Espinho




Os mercados estão a ser um grande filão para o Bloco de Esquerda. Depois das Caldas da Rainha, no sábado, cuja visita correu bem, a manhã de hoje na Feira de Espinho foi ainda melhor para os bloquistas

Em primeiro lugar, porque a espontaneidade das gentes da terra tempera bem algumas conversas, só tendo o candidato de manter o fogão aceso para garantir o sabor final.

Em segundo lugar, Louçã está muito à-vontade nos contactos, ágil e sorridente a desarmar algumas conversas inconvenientes (quando as há). O discurso é debitado à medida dos interesses e do código de quem o houve.

É neste comprimento de onda que afirma: "As primeiras vítimas do acordo com a troika assinado por PS, PSD e CDS são os doentes". De seguida, recusa os cortes na saúde.

Aulas de economia


"O que era preciso era que nós tivéssemos mais pessoas a quem vender", diz-lhe a mulher de uma banca. Uma dica que o candidato aproveita de imediato. "Quando o reformado recebe menos e há mais desempregados, o comércio ressente-se logo. A economia está toda ligada, todos puxamos uns pelos outros".

Minutos antes, interpelado por dois vendedores sobre o caso grego, é lapidar: "O que eles fazem à Grécia estão agora a fazer a Portugal".

Foi quase sempre com frases curtas e claras - não houve "reestruturação da dívida" - que o líder do Bloco rematou os diálogos. Noutros casos, a linguagem foi de exuberância corporal. Alguns, na comitiva bloquista e entre jornalistas mais versados em campanhas, abriram mesmo a boca de espanto.

O momento explica-se assim: "Dê cá um 'passou bem', que 'tava' a ver que não o via ao vivo", lança-lhe um homem. Quem esperava um mero aperto de mão engana-se redondamente. Explode um forte abraço, com repetidas palmadas nas costas, daquelas que até estalam, para satisfação de repórteres de rádio e de televisão que captam o som.

O anti-Portas


O líder do CDS esteve presente ao longo da visita. As performances de Paulo Portas em feiras e mercados são uma fasquia e um poço de analogias para qualquer outro candidato.

"O senhor vir aqui?", disse-lhe à queima-roupa uma vendedora, logo à entrada. "Isso não é costume. Quem costuma vir é só o Paulinho das Feiras".

Mais no fim da visita, um mulher que fazia compras, dispara letal: "O Portas, aquele bandido, quando vai à TV, apetecia-me dar-lhe um tiro no meio dos olhos. Mas a televisão é minha, a televisão é minha...", repete, desconsolada.

Noutros casos, o alvo é o líder do PSD. "Sinto-me enganado", desabafa um homem para Louçã. "O Passos Coelho parece um catraio, nunca trabalhou na vida. E é nele que vou confiar?"

Mais adiante, o líder do Bloco, questionado pelos jornalistas, aproveitaria o 'antiportismo' da manhã. "Quem fez tantas promessas nas feiras e agora congela as pensões aos reformados pode ouvir remoques".

É num contraponto que Louçã aposta agora, insistindo no "contacto direto com as pessoas". É o caminho mais curto para captar os indecisos. "Quem sente que o país está a cair no abismo, tem de ser chamado a votar", afirma.

A seguir, para valorizar as suas iniciativas - "cada vez mais perto das pessoas" - cita o comportamento de Sócrates. "Faz a campanha junto dos seus apoiantes e assessores".

Mas foram as queixas de desempregados e reformados que dominaram as conversas. «Arranje emprego para as pessoas de mais de 50 anos. Tenho 54 anos, sinto-me super válida, ando à procura de emprego há cinco anos e não consigo», lamentou uma mulher que se dirigiu ao dirigente do BE. E insistiu: «As pessoas de mais de 50 anos são pessoas válidas».

Um pouco mais à frente, foi a vez de um idoso questionar: «Porque é que não aprovaram o PEC 4? Não foi isso que levou à crise?» «Não, não foi isso. Nós queremos defender os direitos que eram atacados no PEC», explicou Louçã, que a cada paragem ia insistindo nos cortes previstos no acordo da troika subscrito por PS, PSD e CDS.

A visita prosseguiu ao som de bombos, mas não eram do BE: uma comitiva local do PSD aproveitava também a manhã para fazer campanha na feira. Mas foi o CDS que voltou à conversa, pela voz de um reformado. «Porque é que gastaram milhões de euros nos submarinos?» Resposta pronta: «Oh meu amigo, isso tem de perguntar ao Paulo Portas. Foi dinheiro deitado à rua».


Ser gente



Talvez por ser novidade por aquelas bandas, alguns quiseram mesmo prestar atenção ao candidato. Duas mulheres estão juntas. Uma delas tenta que a outra continue o caminho que seguiam. A visada refreia o pedido: "Estou a ouvir Maria, um momento. Só daqui a quatro anos é que vou ouvir vez".

Outras ficaram-se pela observação. "Olha, é mais bonito ao vivo!", diz uma mulher.

- Já ganhei o dia!, exclama o candidato.

O prémio maior, contudo, viria mais tarde. Já o passeio estava terminado - os jornalistas começavam a desandar do local, em direção ao hospital de S. João da Madeira, que seria visitado a seguir - quando uma mulher se aproximou de Louçã.

Deu-lhe forte abraço, dizendo: "Trabalhei 17 anos com a sua mulher na Maternidade Alfredo da Costa. Dê-lhe um beijinho meu".

O pedido repetiu-se, por outras palavras. Os abraços ao candidato também. "Diga-lhe que lhe envio um beijo. Eu era enfermeira. Sou a Maria José, cabo-verdiana. Diga à sua mulher, ela vai lembrar-se de mim".

Novo abraço, mais emocionado, e desejos de felicidades. "Vocês são gente! Vocês são gente! São cinco estrelas".

Quem assiste, não percebe onde acabam os votos no plano pessoal e começam os do plano político. Pouco interessa: com uma manhã destas o dia já está ganho e bem ganho.

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