sexta-feira, 24 de junho de 2011

ANÁLISE AOS RESULTADOS DAS LEGISLATIVAS 2011

Nestas eleições verificou-se uma viragem claramente à direita do eleitorado, com uma vitória do PSD/CDS, a derrota do PS e de Sócrates, mantendo a CDU, na essência, a sua base de apoio. Embora conquistando mais 1 deputado (Algarve) com mais 0,06%, a CDU perdeu 6 309 votos, passando de 446 172 (7,88%) para 440 863 votos (7,94%) a nível nacional.

O Bloco de Esquerda sofreu efectivamente uma derrota, a nível nacional, nas eleições legislativas de 5 de Junho de 2011. Relativamente a 2009, passou de 9,82% para 5,19%, perdendo 269 015 votos e baixando de 16 para 8 deputados. Em 2005 tinha tido 6,35% com 364 430 votos, elegendo 8 deputados. Relativamente a 2009, perdeu 1 deputado em Braga, 1 em Coimbra, 1 em Leiria, 1 em Santarém, 1 em Setúbal, 1 no Porto e 2 em Lisboa. E conseguiu reeleger 1 deputada em Faro e outro em Aveiro conquistados em 2009 e que não havia em 2005. E reelegeu 1 deputado em Setúbal, 2 no Porto e 3 em Lisboa. O Bloco em 2005 era a 5ª força nacional, em 2009 ficou em 3ª e em 2011 voltou para 5ª força.

No distrito de Faro o BE, em 2005 era já a 3ª força, ficando a pouca distância da CDU (4ª) e do CDS (5ª). Em 2009 o Bloco reforçou-se como 3ª força, deixando bem distante o CDS (4ª) e a CDU (5ª). Em 2011, o BE passou para 5ª força (mas voltou a eleger 1 deputado), a CDU ficou em 4ª (conquistou 1 deputado) e o CDS em 3ª força, também com 1 deputado. Apesar de ter baixado para 5ª força regional, o Bloco segurou a 4ª posição em Albufeira, Lagoa, Loulé, Portimão e Tavira.
O Bloco de 2009 para 2011 perdeu 14 603 votos, passando de 15,38% para 8,16%. Relativamente a 2005, o Bloco em 2011 teve mais 1 098 votos, passando de 7,66% para 8,16%. Em 2011 a CDU ultrapassou o Bloco no Algarve em apenas 0,41% (819 votos). Enquanto a CDU subiu 1 595 votos, ou seja de 15 638 para 17 233 votos (de 7,75% para 8,57%), o Bloco desceu 14 603 votos (de 15,38% para 8,16%), ou seja, passou de 31 017 para 16 414 votos.

Os Distritos de Faro, Madeira e Açores foram os únicos que subiram em percentagem e em número de votos relativamente a 2005. Em Beja e Castelo Branco houve subidas percentuais, mas perdem em nº de votos. Relativamente a 2005 verificou-se a manutenção nos concelhos do Algarve, grosso modo. Houve subidas em percentagem em Albufeira, Aljezur (perde votos), Castro Marim (perde votos), Lagoa, Lagos, Loulé, Monchique, Olhão, Portimão, Silves, Tavira e Vila Real de Stº António. Desce em Alcoutim, Faro, S. Brás de Alportel e Vila do Bispo.

Os Concelhos mais votados BE a nível nacional foram os seguintes: 1º Marinha Grande – 9,77%; 2º Portimão – 9,63%; 3º Lagos – 9,47%; 4º Vila Real de Stº António – 9,44%; 5º Lagoa – 9,27%; 6º Olhão – 9,03%; 7º Entroncamento – 8,96%; 8º Salvaterra de Magos – 8,45%; 9º Moita – 8,44%; 10º Sines – 8,41%; 11º Faro – 8,30%.
Nos 11 melhores concelhos a nível nacional, 6 são do Algarve (5 com mais de 9%) e 1 com mais de 8% (Faro). Ainda a nível nacional, temos apenas 6 concelhos com mais de 9% e 5 concelhos acima dos 8%. Todos os outros ficaram abaixo dos 8%.

As Freguesias mais bloquistas no Algarve são as seguintes: 1º Cabanas de Tavira – 14,96%; 2º Parchal – 13,48%; 3º Alvor – 11,02%; 4º Lagos (S. Sebastião) – 10,69%; 5º Pechão – 10,66%; 6º Vila Real de Stº António – 10,44%; 7º Ferragudo – 10,31%; 8º Mexilhoeira Grande – 10,09%; 9º Estombar – 10,05%; 10º Olhão – 9,64%. Temos assim, acima dos 10%, 3 Freguesias no concelho de Lagoa, 2 em Portimão, 1 em Tavira, 1 em Lagos, 1 em Olhão e 1 em Vila Real.


Algumas reflexões para o debate

As vitórias de 2009 e o fim do “estado de graça”
No ano de 2009 o Bloco obteve 2 grandes vitórias, nomeadamente nas Europeias (passando de 1 para 3 eurodeputados), e nas legislativas, aumentando para o dobro a sua votação e alargando o grupo Parlamentar de 8 para 16 deputados.
É preciso não esquecer que 2009 foi um ano excepcional, tendo o Bloco captado muito do descontentamento que havia principalmente em muitos eleitores do PS. Em 2008 e em 2009 verificaram-se as grandes movimentações da classe docente, com centenas de milhares de professores na rua e o Bloco com o seu trabalho bem visível e mobilizador no seu seio, captou a simpatia de muitos milhares.
Por outro lado, Manuela Ferreira Leite não representava qualquer perigo para Sócrates e não havia a pressão das sondagens e do voto útil. Além disso, o Bloco ainda com 8 deputados, era visto com respeito e até com alguma simpatia pela comunicação social, não sendo ainda alvo de grandes ataques por parte do 4º poder. A partir do momento em que o Bloco subiu para 16 deputados, a situação mudou radicalmente de figura e esta força política passou a ser o alvo a abater por todas as outras forças e pelo ataque concentrado dos media (TV, jornais, comentadores, analistas). O pânico instalou-se nestes sectores e para eles seria impensável que o Bloco conseguisse ser uma força ainda maior em futuras eleições. O “estado de graça” tinha acabado. O ataque viria a seguir.

Houve ou não pressão do voto útil?
Na minha opinião houve uma forte pressão, embora não explique a derrota bloquista. A pressão do empate técnico das sondagens entre PS e PSD foi uma realidade. Muitos milhares de eleitores que antes tinham votado Bloco regressaram ao PS, assustados com a possível vitória de Passos e o seu ultraliberalismo. Outros milhares, incluindo muitos professores, votaram PSD, pois queriam ver-se livres do odiado Sócrates e das nefastas políticas educativas, em particular a famigerada avaliação de desempenho que, ainda em vigor, não passa de uma palhaçada burocrática e de uma punição da classe docente. Acima de tudo, era preciso garantir que Sócrates e o PS não venciam de novo e só o PSD se encontrava em condições de derrotar e acabar com o socratismo. O voto útil teria assim funcionado para os dois campos distintos (não digo opostos porque não são) – PS e PSD. Mas também houve deslocações de votos para a abstenção e até para o populista CDS.

A campanha do Bloco
Considero que o Bloco fez uma grande campanha nestas legislativas, mas não conseguiu fazer passar a mensagem. Sobre os eleitores imperou a chantagem do medo e de que o FMI aí vinha para ajudar e salvar este “pobre país” à beira da bancarrota. Vingou a campanha do medo de não haver dinheiro para pagar salários e pensões. O “massacre” diário na comunicação social (notícias, comentadores, analistas, Cavaco, o triunvirato troikiano PS/PSD/CDS…) acabou por dar os seus frutos. Milhares e milhares de eleitores continuam a acreditar que o FMI está em Portugal para o ajudar a sair do desastre em que se encontra.
Sobre a manipulação dos meios de comunicação, há que ter em conta os estudos do linguista norte-americano Noam Chomsky, quando afirma que “a propaganda representa para a democracia aquilo que o cassetete significa para o Estado totalitário”. E vale a pena ler “as 10 estratégias de manipulação” das elites, particularmente as estratégias da distracção, da degradação e do diferido. Nesta última o público é levado a aceitar decisões impopulares “dolorosas e necessárias”, a serem aplicadas no futuro. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Sabe-se que o público tem sempre tendência a esperar que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Outra estratégia é a de criar problemas, depois oferecer soluções. A campanha do Bloco, apesar de ter sido forte, revelou-se impotente para derrotar as manipulações comunicacionais dos poderes políticos, económicos e financeiros.

Os “erros capitais” do Bloco
Parece mais ou menos consensual – será? - que o Bloco cometeu alguns erros no último ano, como seja o apoio ao Manuel Alegre, a moção de censura, a não ida à reunião com a troika, o apoio, no Parlamento Europeu, à zona de exclusão aérea na Líbia e até a reunião com o PCP. Alguns destes erros teriam feito mais prejuízo do que outros, sendo muito difícil, senão mesmo impossível aferir os danos provocados nos eleitores do Bloco por cada uma dessas posições.
Sobre a campanha do Alegre considero que foi nefasta e prejudicial para o Bloco o facto deste candidato se ter colado ao governo e ao Sócrates – que muita gente já odiava, como os professores – abandonando toda a sua postura independente e crítico de medidas governativas impopulares, como tinha acontecido na sua 1ª campanha. Foi muito mal visto por muitos eleitores do Bloco Sócrates e outros ministros participarem na campanha do Alegre. Por outro lado, surgiu o factor Nobre, o que não se esperava, tendo muitos bloquistas dado o seu voto a este candidato. Hoje estarão completamente desenganados.
Com a derrota de Alegre, foi o Bloco o principal derrotado – esta foi a mensagem transmitida pelos comentadores e analistas políticos. O apoio do Bloco ao Alegre revestiu-se de um elevado risco político. Mas se Alegre tem passado, pelo menos à 2ª volta, é provável que os ganhos fossem substanciais.
Sobre a moção de censura considero que a mesma não foi extemporânea, mas sim inadequada na forma. Como se veio a provar, o governo virá a cair logo pouco tempo depois devido ao PEC 4. Sócrates e o seu governo mereciam ser censurados devido à sua política extremamente neo-liberal de privilegiar os poderosos e de ataque aos direitos de trabalhadores, pensionistas e jovens, com um desemprego na ordem dos 700 mil desempregados.
O problema não foi o conteúdo da censura bloquista, o problema foram alguns “erros” na forma de apresentação. E os adversários do Bloco exploraram bem estes erros de forma e não hesitaram – tudo valia para abater o Bloco. Infelizmente alguns bloquistas (alguns membros da Mesa Nacional) alinharam neste coro anti-Bloco e acabaram por “fazer o jogo” dos nossos adversários.
Sobre a não ida à reunião com a troika constata-se que muitos dos nossos eleitores ficaram zangados. Claro que o Bloco, tal como os outros partidos não foram negociar nada com o FMI, pois este vinha para impor e não para negociar. Aparentemente, teria sido preferível ir à reunião e manifestar a nossa oposição frontal às medidas draconianas da troika, apresentando publicamente as soluções alternativas por parte do Bloco. Mais uma vez, comentadores e outros adversários vão concentrar o seu ataque ao Bloco, apelidando-o de “inútil”, irresponsável”, que “não conta para nada”. Mais uma vez, alguns bloquistas, ou próximos do Bloco, alinharam nesta histeria anti-Bloco. Porque razão não foi o PCP – que também não foi à reunião – alvo de ataques da envergadura que atingiram o Bloco? Porque o Bloco era a força principal a abater. Apesar das suas explicações, o Bloco não teve poder nem capacidade para desmontar os ataques de que era alvo.
Um outro facto, que de certa maneira passou despercebido na opinião pública, foi o apoio que o Bloco deu, no Parlamento Europeu, à imposição de uma zona de exclusão aérea na Líbia, o que motivou a intervenção da NATO, que não passa do braço armado da globalização imperial e que está a praticar os horrores que se sabe neste país no norte de África. A pretexto da defesa dos direitos humanos, o que os fazedores da guerra pretendem é o petróleo da Líbia. Não é admissível que um eurodeputado (agora ex) eleito pelo Bloco vote a favor da intervenção da NATO na Líbia, ou onde quer que seja – esta posição não faz parte da matriz bloquista e muitos eleitores não gostaram disto. Fui e sou um crítico acérrimo desta posição no PE e, como tal, manifestei o meu descontentamento na Mesa Nacional, na devida altura.

A viragem à direita
Portugal virou à direita e isto não é muito diferente do que se verifica um pouco por toda a Europa. A direita ultra-liberal e o populismo avançam e implantam-se sobre as ruínas sociais deixadas pelo social – liberalismo da 3ª via, herdeiro da social – democracia e do trabalhismo. Sociais – liberais (ainda mascarados de socialistas) que apenas estão no poder em dois países europeus, mas por pouco tempo – Espanha e Grécia. O PASOK está a levar a cabo uma autêntica política terrorista social e económica contra os trabalhadores e a sociedade da Grécia. É o que faria o PS no poder em Portugal. Mas fora do poder irá dar todo o aval a essas políticas, colaborando com a ultra - coligação de direita PSD/CDS. Afinal foi este triunvirato que nos atirou para debaixo da canga do FMI.
Ainda sobre os governos do social – liberalismo (os tais herdeiros da socal-democracia), vale a pena ler o que nos diz Ignacio Ramonet, ex-director de Le Monde Diplomatique (in Carta Maior, 22/06/11): “A conversão massiva ao mercado e à globalização neoliberal, a renúncia à defesa dos pobres, do Estado de bem-estar e do sector público, a nova aliança com o capital financeiro e a banca, despojaram a social-democracia europeia dos principais traços de sua identidade. A cada dia fica mais difícil para os cidadãos distinguir entre uma política de direita e outra “de esquerda”, já que ambas respondem às exigências dos senhores financeiros do mundo. Por acaso, a suprema astúcia destes não consistiu em colocar um “socialista” na direcção do FMI com a missão de impor a seus amigos “socialistas” da Grécia, Portugal e Espanha os implacáveis planos de ajuste neoliberal?” Mais palavras para quê?

Se o Bloco não tem cometido os “erros” atrás referidos os resultados eleitorais seriam melhores? Talvez, embora seja difícil de avaliar. No entanto uma coisa parece certa: o populismo de direita está a galvanizar toda a Europa e Portugal muito dificilmente fugiria a esta onda. E as esquerdas europeias têm-se revelado impotentes para ganhar terreno e travar esta viragem. E mesmo assim, onde continua a haver uma presença significativa da esquerda alternativa é em Portugal e na Grécia.
No Bloco de Esquerda não pode haver bodes expiatórios nem ajustes de contas. Quando se ganha não se entronizam os dirigentes e quando se perde não há cabeças rolantes. O Bloco surgiu diferente e terá de continuar a ser diferente dos outros partidos.

Com o debate passar à ofensiva
O debate interno já começou e vai alargar-se. A linha está definida e o que temos pela frente é imenso. Temos perdido muito tempo com questiúnculas internas que só desgastam e nos desviam do combate central. O que é necessário é voltar a colocar o Bloco na acção, na luta, nos movimentos sociais.
Apesar da derrota eleitoral, o Bloco tem condições de vir a liderar a oposição tanto no Parlamento como na rua. Se a santa aliança FMI/UE/PSD/CDS, com o apoio do PS, declaram guerra aos trabalhadores e ao povo português, caberá ao Bloco contra-atacar e fazer-lhes frente com êxito, procurando as convergências possíveis das esquerdas, com pessoas e personalidades de outras forças políticas, com sindicalistas, com os movimentos sociais.
Continuando fiel à sua matriz fundacional, o Bloco “não espera nada do PS nem fica à espera do PCP”. Apesar das tentativas de decapitação política do Bloco que estamos a assistir, o caminho irá prosseguir em frente, sem vacilações. Corrigindo os erros e com crítica construtiva. Mas sem mudanças de cor. Recuso um Bloco que seja uma espécie de Verdes do PCP, ou uma espécie de Verdes alemães. A 1ª opção interessará ao PCP e a 2ª ao PS.

João Vasconcelos

Sem comentários:

Enviar um comentário