domingo, 21 de agosto de 2011

DIÁLOGO SIM, MONÓLOGO NÃO

Há personalidades e organizações que, por mais juras que façam, sempre vão mostrando dificuldades em lidar com a democracia. É o que se pode depreender do “apelo especial” que Passos Coelho fez aos parceiros sociais, em especial, aos sindicatos no frio discurso que proferiu na Festa do Pontal. O “apelo” foi no sentido de fazer calar as reivindicações das organizações representativas dos trabalhadores numa altura em que estes mais precisam de ter quem lhes dê voz. Numa sociedade democrática, os sindicatos constituem organizações de contrapoder que têm tanta legitimidade quanto o poder constituído. Caso se transformem em “instrumentos de consenso” deixam de ter razão de existir como sucedeu e ainda sucede em muitos países. Se é a paz social que procura, então, o primeiro-ministro não pode pretender que uma das partes, a sua, dite as ordens e a restante sociedade, em especial, a que produz riqueza aceite, sem pestanejar, todas as malfeitorias que lhe queiram fazer.
O texto seguinte, de Marisa Matias, comenta, de forma muito clara o “apelo especial” de Passos Coelho.

Apelo especial
“No início desta semana, Passos Coelho dirigiu-se à sua família partidária para o discurso da já habitual Festa do Pontal. Foram muitas as coisas ditas por Passos Coelho, mas houve uma que me prendeu mais a atenção: o “apelo especial”. Este apelo foi dirigido aos parceiros sociais, em particular os sindicatos, para que estes não enveredassem pelos caminhos da conflitualidade. Pode deduzir-se, portanto, que Passos Coelho está preocupado com a paz social.
Este apelo tem tanto de ilegítimo quanto de contraditório. Vamos por partes. É um apelo ilegítimo porque converter os sindicatos em instrumentos de consenso é retirar-lhes a própria razão de existir. Que espera Passos Coelho deles, afinal? Que calem e não contestem? As revisões sucessivas das leis laborais têm sido feitas contra os trabalhadores. No seu entender, os sindicatos devem calá-las. As medidas até aqui anunciadas pelo governo têm atacado sobretudo os trabalhadores. Mais uma vez, os sindicatos devem calá-las. Esta é a visão de quem entende que o debate, a diferença de opinião e a reivindicação são males da democracia e que o consenso é a raiz de todo o bem. Pois, a resposta para ambos os pressupostos é um rotundo não. É precisamente na diferença de opinião que reside a vitalidade e a força de uma democracia.
É um apelo contraditório porque pede diálogo e oferece monólogo. O desrespeito a que têm sido votadas as reivindicações dos sindicatos nos últimos anos raia agora o desprezo. E continua-se-lhe a chamar “diálogo”. Se o nosso primeiro-ministro está tão interessado em dialogar e almejar a paz social, por que não ouve mais? Ouviu os apelos à criação de emprego? Não, ignorou-os. Ouviu os apelos ao combate à precariedade? Nada o confirma. Ouviu as reivindicações para não atacar os direitos sociais e para não empobrecer mais as famílias? Também não parece que as tenha escutado. Se assim é, como espera Passos Coelho que os sindicatos ouçam o seu “apelo especial” e não contestem nenhuma das suas decisões?
Há muitas formas de procurar a paz social. Fazê-lo à custa do silêncio dos agredidos não é seguramente uma delas.”

Luís Moleiro

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