quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O EXEMPLO DE LONDRES

O texto seguinte é o excerto de um artigo de opinião de um dos docentes mais prestigiados da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, o prof. Júlio Mota. Deu-lhe o título de “Bilhete postal” e assume a forma de carta aberta ao actual ministro da Economia.
A propósito dos tumultos de Londres ficámos a saber que, desde Março, o actual primeiro-ministro inglês suspeitava que poderiam acontecer como consequência das medidas de austeridade que a Inglaterra iria sofrer. De forma oportunista, tanto o governo britânico como a oposição vieram gritar que as ditas medidas nada tiveram a ver com o desencadear dos distúrbios, atribuindo os mesmos ao puro vandalismo. Por cá, os arautos do sistema afinaram pelo mesmo diapasão e, nenhum, que se desse conta, se fez eco das notícias veiculadas pelo jornal "Guardian", referidas no artigo. Sintomático!
Mas vamos ao texto:

“Estou de férias, algures neste país ultra condicionado pela carestia de vida e pela redução de direitos e rendimentos que os governos, o anterior e este a que o senhor ministro pertence e ainda com mais força este de que agora faz parte, realizaram ou estão a realizar, soberanamente (face ao povo mas não aos mercados e instâncias europeias), e indiferentes aos efeitos que as medidas já provocaram, estão a provocar e necessariamente irão ainda mais intensamente continuar a provocar, e penso que de consequências incalculáveis no futuro.
Londres, aí está a mostrar um dos caminhos possíveis, por aqueles que destas medidas ou equivalentes estão a ser vítimas, Londres também aí está a mostrar o caminho do poder: mais austeridade e mais repressão para as vítimas das suas medidas, mais censura e eventualmente a privação das liberdades de contestar o governo, a liberdade de barrar a Internet, simplesmente a liberdade de aprisionar a própria democracia.
É certo, que Londres, de repente, parecia uma cidade à deriva onde tudo era permitido. Por um lado e primeiro que todos os outros, estiveram e estão os saqueadores (looters) de luva branca, os senhores dos dinheiros e das leis, traders, especialistas financeiros, analistas e contabilistas de alto contorno, especuladores, directores de hedge funds, banqueiros e outros afins, os que a tudo têm direito e, por isso, tudo lhes é permitido no maior paraíso fiscal do mundo. Depois dos com direito a tudo terem tudo saqueado do que lhes era consentido, aparecem de repente, os outros looters, os outros saqueadores, os que irromperam como saindo do nada e a tudo querer ou a tudo não querer mas a tudo destruir.
(…) E que fez o actual primeiro-ministro inglês em Março? Reuniu-se com as altas patentes militares, a fazer fé no jornal Guardian, para se prepararem para os motins que haviam de vir, tendo em conta as fortes medidas de austeridade a que a Inglaterra iria ser submetida. E as medidas vieram! E os motins, esses, vieram também. E hão-de continuar a vir. Face aos violentos distúrbios de Londres, estes mesmos senhores vieram gritar bem alto, todos eles, governo e oposição que as políticas de austeridade recentemente impostas pela pressão dos mercados não têm nada a ver com isto. No contexto da situação inglesa, compreende-se assim que a tónica tenha sido a acusação de falta de civismo, de afundamento moral, mas francamente que dizer das deslocalizações ou da evasão fiscal feita pelas grandes fortunas como acaba de o anunciar Richard Branson, que vai domiciliar o grupo Virgin na Suíça, e por razões fiscais! E creio que em Portugal teremos o mesmo destino que na Inglaterra se não travarmos a tempo a política socialmente suicida que o actual executivo está a assumir, na sequência aliás das assumidas pelo executivo anterior. (…)”

Luís Moleiro

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