sábado, 7 de janeiro de 2012

OS EXEMPLOS QUE (NÃO) SE VÊEM

Não pode deixar de ter repercussões na opinião pública a decisão de levar para a Holanda a empresa que detém o Pingo Doce. Além do mais porque, um dos membros da família que é dona daquela empresa tem emitido, ultimamente, vários pareceres não solicitados sobre o comportamento patriótico que os portugueses devem ter. Estas afirmações colocam o dito senhor na esfera política e, como tal, sujeita-se a acérrimas críticas. Numa altura em que Portugal mais necessita do contributo fiscal das suas maiores empresas, eis que uma delas resolve abandonar o país numa acção de fuga legal aos impostos. Ou seja, quando chega a hora de os ricos abdicarem um pouco dos seus proventos e provarem o seu patriotismo, “o assunto já é outro”.
Trata-se de um tema que deve ter uma ampla divulgação na medida em que consubstancia uma atitude típica dos mais poderosos e que, muitas vezes, é convenientemente camuflada.
O texto seguinte é assinado por Marisa Matias, eurodeputada do BE, e constitui mais um alerta para a opinião pública.

Egoísmos
“Escreveu Oscar Wilde que egoísmo não é viver à nossa maneira, mas desejar que os outros vivam como nós queremos”. Esta frase veio-me à memória a partir da badalada decisão da família Soares dos Santos, aquela que decidiu que a empresa que detém o Pingo Doce irá pagar impostos na Holanda e não em Portugal. Os “conselhos comportamentais” de um dos membros desta família são por demais conhecidos: os portugueses devem “fazer pelo seu país”. O que é certo é que quando lhe toca a si, o assunto já é outro.
Os salários que paga aos trabalhadores continuam a ser portugueses, a riqueza que acumula continua a ser gerada pelas compras dos portugueses, mas presenteá-los com algum retorno já é dar-lhes confiança a mais. Dá muito jeito viver num país de gentes bem comportadas e aguçar-lhes o sentimento de portugalidade com anúncios hospitaleiros, ao mesmo tempo que se garante que os seus interesses não saem beliscados. Isto tem um nome simples: chama-se egoísmo.
Numa altura em que a Europa se divide entre os “virtuosos” do norte e os “preguiçosos” do sul, como se usa também dizer em terras holandesas, parece que a distinção vai muito além dos povos. O fisco holandês parece ser também ele mais “virtuoso”. E porquê? Nas palavras de Soares dos Santos, porque é um país que “dá mais garantias à iniciativa privada”. Porque “é mais fácil financiar-se na banca holandesa do que na portuguesa”. Mas não nos iludamos, ao contrário do que por aí se anda a dizer, não foram os impostos que mais pesaram na discussão. Ele garante que foram os benefícios fiscais futuros. São exactamente comportamentos como este que prolongam também para o futuro outros egoísmos: os sociais e éticos que atravessam actualmente a União.
Um dirigente do CDS/PP disse que esta acção era “legítima”: do mesmo modo que as empresas portuguesas decidem pagar impostos em outro país, também os consumidores podem decidir comprar alimentos e outros bens onde entenderem. “Legítima” até pode ser, mas de leal nada tem. È que, no fim de contas, é com os “preguiçosos” do sul que Soares dos Santos constrói o seu “pé-de-meia”, diga-se o segundo maior de Portugal. Não estamos certamente a ver o Pingo Doce passar a fazer a sua publicidade aludindo à receita de erwtensoep (sopa de ervilha) ou mostrando batatas fritas com maionese. Sabemos que a culinária não é o forte holandês, mas isso pouco interessa para aqui. É que os cozinhados são outros…”

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