quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

OS NOVOS VAMPIROS

O (longo) texto seguinte – vale a pena lê-lo – é a transcrição integral de um artigo de opinião que hoje vinha inserido no “Diário de Coimbra” e, pode constituir como que uma homenagem a Zeca Afonso no dia em que se evoca o 25º aniversário do seu falecimento. Até nem faltam os vampiros modernos, agora designados eufemísticamente por “mercados”. Sugam o nosso sangue de forma muito subtil, quase indolor para muita gente. Mas quando damos por isso, estamos esvaídos…

Democratizar a economia com a veneração ao deus Mercados
Passos Coelho, primeiro-ministro, declarou, com solenidade, que o grande objectivo do seu governo é o de democratizar a economia.
Democratizar a economia para dar confiança aos mercados. Não é para dar confiança a quem o elegeu, ao seu povo que lhe deu votos. É para dar confiança aos mercados.
O deus Mercados governa o mundo. E o que o deus Mercados mandar, isso é democracia. E os governos, que até se dizem democráticos, porque eleitos pelo voto, reverentemente cumprem, com “determinação” e “coragem” as ordens dos Mercados. Determinação e coragem são os louvores que recebem dos mandantes do deus Mercados. Os Mercados mandam e os governantes, da nova escola, cumprem, obedecem à espera dos louvores. Determinação e coragem são as virtudes da nova religião que os governantes apresentam aos Mercados.
Democratizar a economia para agradar aos Mercados que são ávidos de dinheiro. Os mercados que sugam o povinho até ao tutano. Os Mercados não se satisfazem com pouco. Usurários, são empréstimos a taxas de juro insuportáveis. Os Mercados mandam, seguem-se os despedimentos. Trabalhadores de muitos anos, atirados para o desemprego, para o lixo, descartáveis, inúteis.
Os Mercados mandam, privatiza-se tudo o que dá lucro. Assim ao modo da EDP. Mas nacionalizam-se prejuízos, assim ao modo do BPN. O povinho paga os prejuízos, os Mercados ganham os lucros.
Os Mercados mandam, quem quer saúde, pague-a. Taxas moderadoras a subir para tranquilizar os Mercados.
E assim temos que o deus das praças é o deus Mercados.
O deus Mercados mandou que a Itália, sem eleições, seja governada por políticos com a confiança dos Mercados. Devotos e fiéis dos Mercados, sem eleições e sem votos, governam a Itália com o poder dado pelos Mercados, esquecendo tradições de democracia. É um senhor distinto, gerado nos “Mercados”, posto a governar com a confiança dos Mercados e para levar a Itália ao santuário dos Mercados. É obediente e submisso às determinações dos investidores desconhecidos. Também já antes ele serviu investidores desconhecidos que mandam nos Mercados.
Também na Grécia, donde nos veio a democracia há muitos séculos, com as filosofias de Platão e de Aristóteles, os Mercados impuseram primeiro-ministro e governo da confiança dos Mercados, o novo deus das economias democratizadas. Nas economias democratizadas o poder está nos Mercados, não no voto nem no povo.
Ante tínhamos uma Trindade. Era o Pai, o Filho e o divino Espírito Santo. A Trindade era um mistério.
Os fiéis seguidores que aprenderam na religião do liberalismo económico têm nova trindade. Sem sentimento de Pai nem de Filho, nem a sabedoria do divino Espírito Santo, a Troika nova trindade é o FMI, o BCE, a UE, sem mistério, cheia de doutrina bem conhecida e com os números da cartilha dos Mercados. E traz como grande virtude a competitividade. Também a austeridade.
Competitividade para ter a confiança dos Mercados. E se a competitividade pede trabalho sem horário, sem férias, sem direitos e até sem ordenado, para democratizar a economia faz-se a ditadura legalizada e a escravatura. No bom caminho do empobrecer para se ter a confiança dos Mercados.
A troika nova trindade traz como dever supremo o mistério das reformas estruturais. Mistério venerado nos Mercados, porque os fiéis da crença não sabem explicar para onde nos levam as reformas estruturais. Mas bem sabem que tirando-nos direitos, veneram os Mercados. O que nós sentimos são direitos sempre a cortar e impostos e pecados de roubo sempre a subir.
Estamos governados por políticos veneradores e obedientes a uma Troika que segue a cartilha dos Mercados.
E esta crente obediência é seguida com determinação e coragem.
E assim estamos num país de nova religião. Governados por fiéis crentes que o capitalismo selvagem desumanizado nos vai salvar.
E a nova religião não produz riqueza mas produz ricos
E os governantes fazem dívidas para os pobres pagarem.
Com veneração e ao agrado do deus Mercados.
(Manuel Miranda)

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