terça-feira, 22 de maio de 2012

MONSTRUOSIDADE FISCAL

Frequentemente apresentamos aqui opiniões de personalidades que não têm qualquer ligação partidária ou mesmo ideológica com o Bloco de Esquerda na intenção de demonstrar que muitas das medidas que o Governo está a levar à prática contêm doses ilimitadas de puro irrealismo face à situação em que vivemos e decorrem apenas de um seguidismo cego em relação aos ditames emanados de Berlim, para além de um evidente fanatismo ideológico, também consequência de uma clara incompetência.

Mais uma vez aqui evocamos a opinião de Nicolau Santos, director adjunto do “Expresso”, uma personalidade que nada tem de “radical” mas cujas posições críticas em relação às políticas do Governo se têm vindo a acentuar. Da página que assina no suplemento “Economia” transcrevemos o seguinte texto.



Já não é carga fiscal, mas um roubo aos cidadãos

1 Disse o primeiro-ministro que a carga fiscal em Portugal já é verdadeiramente insuportável. Não podia ter dito uma maior verdade. Os cidadãos estão exauridos fiscalmente. Para os que estão nos últimos escalões (onde se chega facilmente9, o fisco recolhe em impostos diretos e indiretos mais de 50% dos rendimentos – e já lhes cortaram a s deduções à coleta de despesas com saúde e educação. Para os que estão nos escalões mais baixos, a subida do IVA e a redução de numerosos apoios sociais estão a atirar para a mendicidade e para a luta pela sobrevivência milhares de pessoas. Mas desta violentíssima punção fiscal não tira o primeiro-ministro nenhuma conclusão. Pelo contrário, através do ministro das Finanças, anuncia-nos que talvez para 2015 haja possibilidade de algum alívio fiscal. O problema é que para 2015 ainda falta muito tempo. E os sinais de fadiga fiscal que já se notam vão agravar-se dramaticamente. Milhares de pessoas e de empresas vão deixar de pagar o que devem ao fisco – não por fuga ou evasão mas por incapacidade para cumprir as suas obrigações fiscais. Chegámos a um patamar em que trabalhamos meio ano ou mais para pagar impostos, enquanto o Estado retribui com cada vez piores serviços. Não é uma troca. É um roubo.


2 E não é sustentável porque nunca houve tão poucas pessoas a trabalhar no país (4,6 milhões). E nunca o desemprego foi tão elevado (819,3 mil pessoas). Mas se a estes se juntarem os inativos disponíveis e os desencorajados que já não procuram emprego, num total de mais de 292,8 mil pessoas, então o desemprego ‘percebido’ já está acima de 1,1 milhões de pessoas. Os jovens são os que mais têm sofrido com a crise, atingindo o desemprego 36,2% para quem tem entre 15 e 24 anos. Os membros do Governo mostram estupefação e preocupação. Fazem um belo papel mas há quem saiba a verdade. O aumento do desemprego é a variável-chave no processo de ajustamento acordado com a troika. Já que não houve desvalorização fiscal, esta é a forma de reduzir, à bruta, os salários do setor público e privado. Por isso as lágrimas de crocodilo ficam bem nas televisões mas não enganam. O crocodilo só chora porque, enquanto está a engolir a presa, tem de forçar os maxilares a abrir demasiado.


3 Os resultados da economia no primeiro trimestre são bem melhore do que o esperado. Uma redução do PIB de apenas 0,1% quando se esperava uma quebra superior a 1%dá-nos esperança que estamos num ponto de viragem. Infelizmente, quando se fala com banqueiros, não há um único que refira que houve um aumento do número de pedidos para investimento ou que estejam a surgir novos projetos empresariais. Ora sem investimento não há criação nem de emprego nem de riqueza.


4 Acresce que como refere a análise do Conselho Económico e Social (CES) ao Documento de Estratégia Orçamental (DEO) 2012-2016, o obetivo de redução orçamental para 2016 (0,5% do PIB) “é excessivo e poderá não ser atingido, uma vez que os esforços para o atingir podem causar efeitos tão negativos sobre o crescimento económico, a competitividade, o emprego e a coesão social que o resultado poderá ser uma instabilidade indesejável da situação económica e social”. O recado é claro: precisamos de mais tempo para fazer o ajustamento. Mas o primeiro-ministro e o ministro das Finanças recusam porque pensam que ganham em ser os bons alunos do ajustamento. Será que conhecem a história do cavalo do inglês?


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