quinta-feira, 21 de junho de 2012

A LIÇÃO GREGA

Os acontecimentos recentes por via da situação que se vive na Europa e, em particular na Grécia vieram mais uma vez demonstrar que o regime em que vivemos nesta parte do mundo e que se chama “democracia”, para ir enganando os mais incautos, é aquele que mais convém ao sistema capitalista dado que, até ao momento tem sido possível, em geral, através de campanhas bem orquestradas, colocar no poder forças partidárias que defendem os interesses do sistema. Quando as populações, fartas de ser enganadas, em vez de continuarem a aceitar a mascarada democrática que constitui a alternância no poder, pretendem uma verdadeira alternativa, logo são chantageadas ou mesmo ameaçadas por todos – mesmo todos – os meios a que o sistema pode lançar mão. E não tenhamos dúvidas de que lança mesmo, no caso de sentir os seus interesses em perigo. Os dias que antecederam as eleições de 17 de Junho na Grécia são disso exemplo, embora não se tenha ido além das palavras. De qualquer maneira, verificou-se uma descarada intromissão externa, na intenção de manipular os resultados eleitorais.

Melhor do que nós, Manuel Loff analisa, no excelente texto que hoje assina no “Público”, a forma como se tentou condicionar o voto dos gregos no passado domingo, ao mesmo tempo que descreve o exemplo histórico das eleições italianas de 1948, poucas vezes referido. É um texto que vale a pena ser lido.



O triunfo da chantagem

Todos estaremos de acordo que não há democracia sem voto efetivamente livre e que, sabendo até que ponto são livres os eleitores quando votam, sabemos até que ponto é democrático o sistema em que votam.

No domingo passado votou-se, de novo, na Grécia. Durão Barroso apressou-se a dizer na segunda-feira que "o povo grego falou e respeitamos integralmente a sua escolha democrática".

Curiosa declaração... Os dois partidos em que a troika confia - a direita da Nova Democracia e os socialistas -, que somavam 77% dos votos em 2009, em maio passado juntavam 34,6% dos votantes, e agora subiram para 41,9%. Um vergonhoso prémio eleitoral de 50 deputados concedido ao partido mais votado permite-lhes juntar agora a maioria (162 em 300) dos lugares do Parlamento. À esquerda, as três forças políticas que rejeitam o acordo com a troika (a coligação Syriza, os comunistas e os dissidentes socialistas) juntam 37,6% dos votos, mais 4% do que há cinco semanas atrás e três vezes mais do que há três anos! Se lhes somarmos os 7,5% dos dissidentes da direita (ANEL) que também propõem romper o acordo com a troika, chega-se à conclusão de que, pela segunda vez em semanas, uma maioria de gregos votou contra o desastre da austeridade que lhes é imposta - mas que um subterfúgio formal permite às Merkels, às Lagardes e aos Barrosos deste mundo dizer que a Europa (deles...) ganhou.

Não era difícil prever que assim fosse. Depois do susto das eleições de maio, a direita grega apostou na dissolução do Parlamento e confiou numa das mais descaradas campanhas de chantagem de que há memória na Europa para conseguir o resultado que queria. Aos gregos foi dito por ministros, imprensa, Merkel, FMI e Comissão Europeia que, se os partidários da rutura do acordo com a troika vencessem as eleições, os bancos fechariam, os combustíveis esgotar-se-iam e os supermercados seriam saqueados já que tal resultado eleitoral significaria a saída do euro e esta, por sua vez, obrigaria a UE a fechar as fronteiras da Grécia para controlar a fuga de capitais. Nenhuma destas coisas seria legal; todas elas não passam de ameaças que dizem bem do que são capazes quem as pronuncia. Chegou-se a dizer, até, que poderia ser necessário um golpe militar para "restabelecer a ordem"! (The Times, 17.6.2012). Ministros não se coibiram de ameaçar com o não pagamento de salários de funcionários públicos, de pensões e de subsídios de desemprego a partir de julho (ver imprensa de 13.6.2012).

Apostou-se tudo no medo - e ainda assim, ao contrário do que se tem escrito, não mais de 42% dos eleitores seguiram o medo...

O que me interessa aqui é refletir, uma vez mais, sobre a infinita capacidade de chantagem e manipulação que as elites financeiras e políticas revelam. São muitos os casos em que nos últimos 65 anos, desde que o Ocidente inventou que era o Mundo Livre, se manipularam eleições em momentos em que, pela via eleitoral, se percebeu que mudanças sérias poderiam ser feitas contra os seus interesses. Dou-vos um exemplo.

Em 1948, a Itália foi chamada a votar pela primeira vez depois de se ter aprovado a nova Constituição republicana. A Guerra Fria acabava de começar e foram desfeitas as coligações antifascistas, herdeiras da luta contra o Nazismo, que haviam governado em vários países. Em Itália, comunistas, socialistas e cristãos de esquerda apresentam-se unidos às eleições, constituindo uma Frente Democrática e Popular, que se apresenta contra a Democracia Cristã que, com o apoio do Vaticano e dos EUA, se preparava para governar a Itália nos 50 anos seguintes. Era a primeira vez que a esquerda se unia.

A reação não se fez esperar. Num esquema combinado entre o governo democrata-cristão e o de Washington, milhões de emigrantes italianos nos EUA enviaram cartas padronizadas a familiares em Itália, avisando-os de que, se a esquerda ganhasse, os empréstimos e o envio de bens americanos cessariam, e que "a maldição de Deus cairá sobre ti e a tua família" (cit. in Antonio Gambino, Storia del dopoguerra). A Igreja Católica lançou uma cruzada que passou pela consagração de centenas de cidades à Virgem e procissões contra o comunismo. Aos italianos explicou-se que não votavam simplesmente para um parlamento, mas que escolhiam a Igreja ou Satanás, Cristo ou Estaline, os EUA ou a URSS... Os anglo-americanos, cujas tropas continuavam em Itália desde o fim da guerra, prepararam planos militares para se opor à vitória da coligação de esquerda. A CIA propôs mesmo que "o acesso ao poder da Frente Democrática Popular [fosse] impedido, quer falsificando os resultados eleitorais, quer pela força" (cit. inL"Espresso, 17.10.1993). Pelo sim, pelo não, os EUA organizaram uma rede armada clandestina anticomunista, a Gladio, que atuaria ao longo de toda a Guerra Fria em vários países ocidentais, designadamente através de atentados e da organização de golpes militares preventivos, no sentido de evitar os avanços das esquerdas.

Também então, a esquerda perdeu. O medo triunfou. Democracia, isto?...

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