domingo, 3 de junho de 2012

PODRIDÃO

Dentro da esfera de influência dos chamados partidos do arco do poder a promiscuidade “entre serviço público e interesses empresariais privados” é o pão nosso de cada dia. Só isso pode explicar a presumível facilidade com que circula informação, que em muitos casos consubstancia segredos de Estado, em direcção à esfera empresarial. Não menos mau do que isso, é a devassa da vida pessoal, sabe-se lá com que intenções, ainda por cima, feita à custa do dinheiro dos contribuintes. Ou seja, estamos a pagar a alguém para chafurdar na nossa privacidade e obter informações que um dia poderão ser usadas contra nós… Que lindo serviço!

Sobre este tema vale a pena ler o seguinte texto que o sociólogo Pedro Adão e Silva assina esta semana no “Expresso”.


VAMOS FICAR MAIS FRACOS

Com a ligeireza que caracteriza as suas intervenções, Miguel Relvas afirmou, esta semana, que iria sair mais forte do caso que o envolve. Veremos. Para já, uma coisa é certa, estamos a ficar coletivamente mais fracos. Relvas pode bem sair reforçado do microciclo em que opera e que funciona como medida do seu sucesso, mas as instituições da República, o Governo e os media vão ficar mais fracos depois da sucessão de episódios que fomos conhecendo desde o verão passado.

Para lá da degradação política e institucional, há uma revelação particularmente violenta que nos chega com este caso. Temos hoje a certeza de que a vida privada dos protagonistas do espaço público, em lugar de ser uma esfera absolutamente inviolável, não só é escrutinada ilegalmente e sem fiscalização efetiva, como circula alegremente em relatórios, numa transumância criminosa de segredos de Estado que não pode ficar impune. Esta violação gratuita do que é uma esfera fundamental das nossas liberdades, se nada mais, faz-nos perder o pouco que restava da nossa inocência coletiva e demonstra até onde pode chegar a dissolução da vida em conjunto.

Ficamos todos a saber, se dúvidas tivéssemos, que em Portugal a promiscuidade entre serviço público e interesses empresariais privados não conhece limites. O Estado, em lugar de estar ao serviço do bem comum, é utilizado de forma seletiva por grupos económicos, que se servem dos recursos públicos com a mesma facilidade com que os descartam. A migração das informações das secretas para os grupos empresariais é apenas uma versão extrema do sem-número de episódios a que assistimos de captura do interesse público por interesses privados – que, depois, nunca hesitam em deslegitimar o papel do Estado.

Mas este longo processo ensina-nos também qualquer coisa sobre os mecanismos de formação do poder em Portugal e de como, mesmo os mais ambiciosos dos políticos, revelam uma estranha imprudência ao longo da caminhada que vão percorrendo até um dia nos governarem. A teia de cumplicidade e de interesses cruzados entre empresas, media e informações tornou-se agora mais transparente. Miguel Relvas é um paradigma de uma lógica que, não escolhendo partidos, encontra sempre no PSD um terreno particularmente fértil. É natural que quem se alça ao poder deste modo nunca consiga perceber que um ministro não pode fazer graçolas a propósito dos serviços de informações e, acima de tudo, não lhe é permitido gerir um assunto de Estado como se se tratasse de eleições para uma qualquer concelhia do seu partido. Mudam os governos mas o problema mantém-se: quem faz carreira a contar versões distintas da mesma história consoante o momento e o interlocutor fará o mesmo perante uma comissão parlamentar, independentemente do tema em questão.

Miguel Relvas afirmou que iria sair mais forte deste processo e eu escrevi que estávamos a ficar coletivamente mais fracos. Peço desculpa. Na verdade já estamos mas fracos.

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