segunda-feira, 6 de agosto de 2012

OS "VALORES" QUE O NEOLIBERALISMO NOS TRANSMITE

A propósito da recente publicação do número de empresas (73) em que Miguel Pais do Amaral tem assento nos conselhos de administração, achámos interessante divulgar parte de uma crítica contundente que Nicolau Santos assina no suplemento Economia do “Expresso” de 4/8 último.

(…)” Venho falar é de valores. Venho falar de gestores e advogados, de professores universitários e economistas, que concordam gravemente com as decisões governamentais de obrigar os titulares de cargos públicos a escolher entre os salários que auferem por servir a causa pública e as suas pensões e reformas – mas considerarem que acumular vários postos em conselhos de administração não só não é incompatível, como não lhes provoca nenhum sobressalto de consciência. O que venho falar é de uma elite, que sustenta de forma supostamente científica as fortíssimas medidas de austeridade que têm sido aplicadas aos funcionários públicos – mas não abre mão de nenhuma das prebendas e sinecuras que acumula. O que venho falar é de quem está a favor da alteração do Código de Trabalho para que os jovens deixem de ser discriminados em termos de emprego – mas não permite nenhuma mudança no grupo que se eterniza nestes apetitosos e bem pagos cargos em conselhos de administração. O que venho falar é de todos os que clamam pelas reformas estruturais para tornar o país mais moderno e competitivo – mas reservam para si a coutada dos conselhos de administração, onde não permitem nem mais concorrência, nem dão oportunidade aos mais jovens. O que venho falar é de uma casta, de uma oligarquia, que clama publicamente por mais transparência em todas as atividades do Estado – mas a recomendação do Código das Sociedades que menos cumpre é precisamente a divulgação e fixação da remuneração dos administradores das empresas cotadas.

Percebe-se. Estes senhores não gostam que se saiba que, num país com um milhão de desempregados, com 35% de taxa de desemprego entre os jovens, com um rendimento médio per capita inferior a mil euros, com quase três milhões de pessoas a viver no limiar da pobreza – o salário médio de cada um dos administradores não executivos tenha sido de €264 mil ou de €450 mil no caso dos executivos. O que estes senhores não gostam que se saiba é que neste país, numa crise brutal desde 2008, haja 21 administradores que receberam mais de um milhão de euros no ano passado.

O que estes senhores não gostam é que todos nós saibamos agora que, para manter as tais prebendas e sinecuras, o seu papel nestes conselhos de administração será sempre cordato e reverencial, nunca levantando ondas, não vá o cargo não ser renovado. O que estes senhores não gostam é que, a partir de agora, sempre que justifiquem publicamente os sacrifícios com que o povo está a ser supliciado para expiar os seus pecados consumistas, nos lembremos de quanto ganham pelas dezenas de cargos que ocupam. O que estes senhores não gostam é que definitivamente lhes tenhamos perdido o respeito.”


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