quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

BURLÕES HÁ MUITOS


O alegado burlão, falso funcionário da ONU, suposto coordenador de um observatório que não existe, conseguiu, de forma muito engenhosa, dar entrevistas a órgãos da comunicação social considerados de referência, antes de lhe ser descoberta a marosca. No entanto, este sujeito não ficou milionário com o golpe e até já esteve preso, pagando dessa forma outras burlas entretanto levadas a cabo.

Chegados a este ponto, convém perguntar por que razão, dezenas de burlões milionários, tantos deles sobejamente conhecidos, vão continuar a viver na maior das impunidades à conta do dinheiro dos contribuintes portugueses?

A reportagem da autoria do jornalista Pedro Coelho, que a SIC apresentou há dias, sobre o caso BPN, constitui a “verdadeira história”, essa sim importante para todos nós, com protagonistas da nossa praça, que se estão a locupletar fraudulentamente com o que nos pertence sem que se veja a possibilidade de virem a sofrer o correspondente castigo.

No artigo que hoje assina no Público, Rui Tavares aborda este premente tema de forma certeira:



Requisitório ao regime

A história do burlão que pensava poder ajudar o país não pode, de modo nenhum, enterrar a história dos burlões que só ajudaram a enterrar o país. Pois a verdadeira história, de que todos deveríamos estar a falar, é a da reportagem que o jornalista Pedro Coelho fez para a SIC sobre o "caso BPN".

Num país em que se discute como cortar quatro mil milhões de euros - nos hospitais, nas escolas, nas
pensões -, é imoral a distração dos cinco a sete mil milhões de euros que nos pode custar a fraude do BPN, e os mais de três mil milhões que já nos custou.

Já conhecíamos o retrato de um banco roubado por dentro num carrossel de compra e recompra das suas próprias ações através de uma rede de empresas sedeadas em paraísos fiscais. A reportagem de Pedro Coelho junta nomes e caras a essa descrição abstrata. Claro, o próprio Rui Oliveira e Costa fez empréstimos a si mesmo no valor de 15 milhões de euros. A sua filha Iolanda recebeu 3,4 milhões de euros. O seu braço-direito, Luís Caprichoso, recebeu quase um milhão de euros. Mas isto ainda não é nada.


Uma empresa de Duarte Lima recebeu 49 milhões de euros. Outro ex-dirigente do PSD, Arlindo Carvalho, junto com um do PS, José Neto, receberam, no seu conjunto, pelo menos 75 milhões de euros. Outro do PSD, Joaquim Coimbra, recebeu 11 milhões. Almerindo Duarte, dono de uma empresa chamada Transiberica, recebeu 23 milhões. Um homem do futebol, Aprígio Santos, recebeu 140 milhões. Uma empresa de cimentos do pelouro de Dias Loureiro recebeu 90 milhões.

Isto é dinheiro perdido, que acabaremos nós a pagar. Só em juros pagaremos todos os anos 200 milhões de euros, até 2020, por um empréstimo de três mil milhões e meio que foi realizado para tapar este buraco. Que não foi feito por um asteróide vindo do espaço. Foi feito por esta gente, por esta cultura de promiscuidade, pela incúria de uma classe dominante, em Portugal.
Na dor de alma que é ver este país cheio de gente a quem é denegado o emprego, o dinheiro para os estudos, os planos para o futuro, e o próprio país para fazer a vida, não podemos esquecer-nos deste retrato.


Houve sobre este caso duas comissões parlamentares, levadas bastante a sério por vários deputados. E estão em curso investigações e processos judiciais. Terão meios suficientes? São elas a melhor hipótese de recuperarmos algum do dinheiro perdido.

A questão é saber qual a sequência real deste caso para o país. Em princípio, não deveríamos ser os mesmos depois do caso BPN. Na prática, o julgamento político deste caso nunca foi cabalmente feito.
Que pensava esta gente? Que pensavam eles quando lhes era proposto um negócio de compra e recompra de ações que só poderia cheirar a esturro? Até o Presidente da República fez esse negócio. Nunca tivemos direito a uma explicação séria: o que sentiu? Lembrou-se do país no momento em que fez o negócio?

E os outros? Como aceitaram dezenas e centenas de milhões de euros, em troca de nada, gente que foi ministro, deputado, conselheiro de Estado? Porque só os usaram em negócios fajutos?

Que meio de negócios é este? Que cultura política é esta?

Esta é a minha última crónica do ano (e interromperei agora por um mês) e quis terminar com estas perguntas. O calendário passará por nós, mas Portugal não avançará enquanto não lhes responder.


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