domingo, 13 de janeiro de 2013

O PROGRAMA DE DESTRUIÇÃO


O chamado relatório do FMI nem sequer chegou a ser gato escondido com rabo de fora porque o gato ficou, desde logo, completamente à vista. Para quem conhece a acção do FMI por onde tem passado, este relatório constitui mais uma acha para a fogueira da sua descredibilização. As propostas nele contidas tiveram o contributo de todos os ministros e constituem o projecto da maioria governamental para o país. A crise é aproveitada para se proceder à destruição do Estado social, conduzir à mais brutal desregulação do mercado laboral e baixar ainda mais os salários. Trata-se de uma declaração de guerra ao país com um estudo encomendado que recomendasse aquilo que o Governo quer que se faça e não tem coragem de apresentar publicamente. É uma fraude que está a ser muito criticada nos meios de comunicação social, pelo óbvio objectivo que contém: levar a opinião pública portuguesa a acreditar que medidas de austeridade, quase criminosas, são impostas pelo FMI, às quais não há mais que fazer senão obedecer. A denúncia desta esperteza saloia deve ser feita por todos os meios legítimos para que a penúria não se transforme em paisagem dominante em Portugal e a democracia seja resgatada. O artigo que Daniel Oliveira assina no Expresso de ontem – que transcrevemos a seguir – é um bom exemplo do que deve ser feito para esclarecer a população portuguesa sobre a má-fé, a irresponsabilidade, o fanatismo e a incompetência que estão a conduzir o país à sua destruição.


A FRAUDE

Aumento do horário, redução do salário e despedimento de 20% a 30% dos funcionários públicos. Aumento dos horários dos professores com dispensa de 30 a 50 mil docentes. Aumento das propinas. Redução drástica dos apoios ao desemprego e restantes prestações sociais. Redução drástica das reformas e amento da idade da reforma. Aumento das taxas moderadoras e redução das comparticipações dos medicamentos. Resumindo: aumento brutal do desemprego, destruição do pouco que resta do mercado interno, miséria para a maioria dos portugueses e demissão do Estado, em plena crise aguda, das suas principais funções sociais. É isto que nos propõe o FMI, num relatório repleto de premissas eradas e dados fantasiosos. E, acima de tudo, contraditório com restantes estudos do mesmo FMI sobre os efeitos multiplicadores das medidas de austeridade e as declarações de Christine Lagarde sobre a inconstitucionalidade de medidas propostas pela troika.

Trata-se de um programa de governo. Mais: de um programa de regime. Nada tem de técnico. Contas todos sabem fazer. O que nele é relevante são as grandes escolhas ideológicas que propõe. Como é feito por uma entidade que não depende da democracia pode dar-se ao luxo de propor a destruição social, económica e política de um país. Não estarão cá para apanhar os cacos. Mas não nos enganemos: trata-se antes de mais, de uma encomenda do governo em que o governo foi a única fonte relevante. Ou seja, são propostas de um governo que se esconde atrás de uma suposta credibilidade do FMI – que só existe para quem não conhece o desastroso historial de asneiras da instituição. Passos Coelho quer começar o debate sobre a refundação do Estado social (e não do Estado) disfarçando o fanatismo da sua agenda ideológica e apresentando as suas propostas como inevitabilidades vindas do exterior. E para isso conta com a cumplicidade irresponsável do FMI. Uma instituição que por onde passa deixa um rasto de destruição sem nunca aprender com os seus próprios erros.

Passos Coelho pretende encontrar um atalho, evitando confrontar-se com os pressupostos prévios a este debate: para que queremos o Estado, quais as suas funções prioritárias e, depois disso, que meios temos para as garantir. O FMI não está habilitado a responder a estas questões centrais. Porque elas só podem ser da exclusiva responsabilidade da soberania democrática e do confronto político. Só mesmo nas ditaduras é que não cabe à democracia determinar escolhas desta profundidade.

O relatório do FMI é uma fraude. Na sua origem, no seu conteúdo e na sua natureza. É um relatório estritamente político que tem como único objetivo condicionar o debate interno e até permitir ao Governo parecer relativamente moderado. Foi encomendado por São Bento e é em São Bento que tem as suas fontes “técnicas”. Tentando aproveitar algum provincianismo nacional, que endeusa tudo o que venha do exterior, o relatório esconde o seu verdadeiro autor: um Governo demasiado desacreditado para conseguir impor a sua agenda ideológica. E está, como é normal quando se tem este Governo coo principal colaborador, pejado de erros e falsidades factuais. Um relatório técnico do FMI que nem é técnico nem é do FMI só pode ter um destino: o caixote do lixo.

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