terça-feira, 15 de janeiro de 2013

REFUNDAR OU RECUAR?


Num país com um grau de iliteracia tão elevado como o nosso, é fácil enganar os cidadãos mais desprevenidos, deturpando o significado das palavras. Assim aconteceu com a introdução da expressão “refundação do Estado”. Trata-se de um ardil que, posto à discussão, vai fazendo o seu percurso no sentido mais favorável aos interesses de quem o criou. Enquanto as pessoas se vão entretendo a discutir onde o Governo quer chegar com a “refundação do Estado”, vai-se criando um clima propício à aceitação do que quer que aí venha, mesmo que seja o pior.

Convenhamos que, espertezas deste calibre têm sido o forte da maioria de direita. É claro que há muita gente que descobre rapidamente a marosca mas a verdade é que ela já produziu efeitos nefastos gerando muita confusão. E, em caso de dúvida, muitas pessoas tendem a aceitar as resoluções de quem está no Governo. O texto seguinte faz, com alguma imaginação, a desmontagem de mais uma trapaça dos especialistas nestas manobras, Passos-Gaspar-Relvas-Portas.



A “Refundação” do Estado: um Estado social escaqueirado (*)

O Primeiro-ministro, com ar de pensador, anunciou a grande novidade da “refundação” do Estado. E da palavra “refundação” ninguém lhe encontrou significado no Dicionário da Língua Portuguesa. Passou por ser uma questão de leituras, de estudo, de cultura. Mas, adiante!

Se ninguém lhe encontrou significado no dicionário, já não escapou a ninguém o alcance da intencionalidade da “refundação”.

E todos acordaram que o nosso Primeiro quer voltar ao passado, recuar no tempo. Recuar ao tempo em que se ia descalço para a escola.

E estas coisas não acontecem por acaso.

Nos encontros por salões de gente importante lá por Bruxelas, onde tudo se decide, há quem de lá traga recados. O recado veio de tecnocratas ao serviço de ideologias.

E os tecnocratas mandam-nos de cá. E os de cá, obedientes e submissos, obedecem e fazem.

E foi assim que a “refundação” do Estado nos chegou, o que mostra bem o estado de indigência a que isto já chegou.

Ficamos a saber que “refundação” é o Estado deixar de prestar serviços e deveres sociais.

Mais de 4 mil milhões de euros a tirar à Saúde, à Educação, à Segurança Social, não pagando e reduzindo reformas e pensões, abonos, subsídios de desemprego. Num país de desempregados, num país de famílias reduzidas à pobreza.

A “refundação” do Estado de Passos Coelho é não pagar serviços que o Estado tem o dever de prestar.

E se vingar essa revelação de tão eminente pensador ficamos entregues a um Estado que tudo suga, que tudo nos leva em impostos, taxas, licenças, um Estado que nos esbulha para nada dar em troca, nem os mínimos a que está obrigado pelos direitos instituídos.

E não ouve o clamor e a revolta que anda nas ruas.

E os pensadores deste governo não conhecem um estudo em livro que garante que tudo o que se gasta com o Estado social nós tudo pagamos, nada nos é dado por favor.

“Refundação” é ideia velha de muitos anos, para fazer co que o ensino volte a ser pago. Tornar a escola um luxo de poucas famílias.

Na saúde “refundação” significa estabelecer serviços para ricos que os possam pagar, deixando uma saúde de pensos para quem não tem dinheiro.

E o estado de indigência é tal que já se perdeu o sentido do ridículo. Para aumentar uns míseros patacos ao já mísero salário mínimo, o ministro vai, submisso, pedir autorização à troika.

E a troika é esse grupo misterioso e estranho, que anda por Lisboa acompanhado por batalhões de seguranças a ver folhas de cálculo para aplicar receitas bem conhecidas, e que leva à sua conta boa parte do dinheiro que nos dizem que vem emprestado, e desse dinheiro com que se pagam, ficamos nós com a dívida e os juros apagar.

É a troika que do pedestal da sua importância considera que para reduzir despesas do Estado em mais de 4 mil milhões de euros não ser necessário uma revisão constitucional.

É a troika, da torre da sua sabedoria, que determina os limites democráticos e constitucionais da República.

É a troika, que aproveitando o estado de indigência a que o nosso Estado chegou, determina que se privatize tudo, tudo aquilo que é necessário para a nossa soberania.

E que dá abundantes lucros, é isso mesmo que mais interessa privatizar. E o que possa dar menos lucros ou despesa também se privatiza, assumindo o Estado os lucros que se quer dar aos investidores.

São estas as teorias do “ajustamento”, outra palavra rara que nos chegou com a troika.

E, Portugal que há pouco estava nas trevas do atraso, com a “refundação” de Passos Coelho voltará às trevas de onde saiu.

É este o tal “bom caminho”, outra expressão que nos chegou com a troika.

E no “bom caminho” vamos nós empurrados para as cantinas sociais para matar a fome, pelo mesmo “bom caminho” por onde anda a Grécia.

Grécia, que na antiguidade nos deu filósofos e pensadores, agora referida com repelência pelos novos pensadores da ideologia neoliberal da troika.

(*) Manuel Miranda, Diário de Coimbra

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