quarta-feira, 10 de abril de 2013

ACÇÃO DELIBERADA


Começa a ser impossível engolir a ideia de que o Governo Passos/Gaspar/Portas é apenas incompetente na sua acção. A sua estratégia estava muito bem delineada desde que Passos Coelho definiu que pretendia ir “além da troika” nas anunciadas medidas de austeridade. Sendo sua intenção destruir as estruturas do Estado, tal como o conhecemos, as medidas já de si severíssimas impostas pela troika pareceram-lhe ainda demasiado brandas para o fim que se pretendia atingir. Por isso o Governo vem aceitando tudo o que os patrões merkelianos vão estabelecendo sem qualquer hesitação. Podiam ter sido levadas a cabo diligências para que não fossemos atingidos de forma tão brutal mas não se mexeu uma palha nesse sentido porque a intenção não era essa. Está a acontecer exactamente o que os nossos governantes sempre pretenderam e a prova está no modo como reagiram às decisões do Tribunal Constitucional, para eles uma força de bloqueio que vem colocar um entrave numa estratégia tão bem delineada.

Sem tirar as conclusões que nós tirámos, o seguinte excerto do texto que o prof. Santana Castilho assina hoje no Público é um bom complemento do que acima afirmamos.

Dizer que a Europa e o euro morreram em Chipre é especular. Mas afirmar que os cipriotas, comparados connosco, conseguiram o dobro do tempo para pagar o seu empréstimo e um juro bem mais favorável é um facto. Vejamos os números. Chipre: 10.000 milhões a 22 anos e a 2,5%. Portugal: 78.000 milhões a 11 anos de maturidade média e 3,6% de taxa média. Imaginar o Governo português a lutar por condições idênticas é especular. Afirmar que o Governo português não percepciona a diferença entre a realidade e a ficção é um facto que se retira do pouco que sobrou de Passos, no último domingo: pose e voz.

Podia ter reconhecido que, ao decidir medidas de austeridade bem mais penalizadoras que aquelas que foram acordadas com a troika, em Maio de 2011, precipitou a queda da economia, a subida brutal do desemprego e a chegada da recessão? Podia. Mas preferiu anunciar mais austeridade. Podia ter reconhecido que foi um erro dividir os portugueses entre privados e públicos, velhos e novos, empreendedores e piegas? Podia. Mas preferiu anunciar vingança, a novas catanadas de despedimento e cortes, precipitando o sucesso da desgraça final. Podia ter reconhecido que, em vez de carregar de impostos e confiscos os que alimentam o Estado, deveria ter reduzido as rendas dos que se alimentam do Estado, aliás, como acordado com os credores? Podia. Mas preferiu continuar a desconhecer a raiz do problema. Podia ter reconhecido que foi um erro hostilizar a oposição e os parceiros sociais, destruindo o consenso político e social de 2011? Podia. Mas, inspirado em Salazar, preferiu ficar orgulhosamente só. Podia ter reconhecido que a sua política europeia, de colagem acrítica aos interesses do Norte e da Alemanha, em detrimento de Portugal, do Sul e da periferia, foi deplorável? Podia. Mas preferiu ir a Dublin, de dedo apontado ao Tribunal Constitucional, como sacristão de Schäuble, assistir à suprema missa dos interesses dos mercados financeiros, à espera das migalhas que tombem do festim dos juros das dívidas soberanas. Poderia ter reconhecido o rotundo falhanço da sua estratégia económica e financeira e aproveitado o momento para remodelar ministros e políticas? Podia. Mas preferiu contratar um grotesco vendedor de pipocas (iniciativa do defunto Relvas, via YouTube) e dois duros "técnicos especialistas" (golpe d"asa do seu pequeno Moedas) para acompanharem a execução do memorando, um de 21, outro de 22 anos, ambos com a relevante experiência de um estágio de três meses, não remunerado.

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