terça-feira, 30 de abril de 2013

CAVACO DÁ-SE MAL COM A DEMOCRACIA


Cavaco Silva foi um homem que, pelo que se conhece, nunca sentiu qualquer incómodo com o regime ditatorial em que vivemos durante quase meio século. Não é, de todo, um homem do 25 de Abril já que, em 1974 tinha idade suficiente para ter demonstrado o seu apego à democracia. É, pois, sem sombra de dúvida, uma pessoa que nasceu para a democracia no dia 26 de Abril, data a partir da qual, como que por milagre, desapareceram todos os simpatizantes do regime salazarista. Calculista, foi preparando durante anos o seu fato de “democrata” para, na melhor altura, saltar para a ribalta politica e aproveitar as virtualidades do novel regime a fim de se alcandorar ao topo do Estado. Convenhamos que os seus intentos foram coroados de êxito mas, para quem estivesse atento, o seu apego a democracia ficou sempre por demonstrar o que, aliás, nunca o preocupou demasiado, diga-se em abono da verdade. Esta é das suas facetas mais negativas que está a vir à tona neste segundo mandato em que já não precisa de esconder nada perante os portugueses. Este Presidente da República é claramente o pior desde que foi restaurada a democracia em Portugal.

Como complemento, deixamos aqui um excerto de um artigo de opinião (*) onde é feita uma caracterização muito apropriada de Cavaco Silva.

Cavaco Silva falou nas comemorações oficiais do 25 de Abril e, mais uma vez, foi infeliz. Aproveitou a celebração para manifestar o seu apoio, incondicional ao Governo. Quando foi eleito para o primeiro mandato, escrevi que ele seria o presidente de todos os portugueses, menos de um: eu.

De facto, nunca me revi naquele homem e nunca o quis para meu representante. O tempo tem-me dado razão.

Hoje, com a maioria dos portugueses a pedirem a demissão deste Governo, aproveitou as comemorações da data da liberdade e da democracia, para apoiar um Governo de minoria sociológica.

Para muitos, foi uma surpresa enorme, para mim, nem isso. Comecemos por esta questão prévia: ele nunca foi um homem do 25 de Abril.

Olhemos para a sua biografia, onde não se encontra nenhum incómodo causado pela ditadura. Não se pedia que tivesse sido um resistente, mas percebe-se que fez tudo, para escalar a sua carreira profissional, no regime do 28 de Maio. Nem lhe passava pela cabeça que pudesse haver uma alternativa, ou que aquilo viesse a cair de podre, como de facto aconteceu, com a ajuda evidente de militares generosos. Era um homem acomodado ao regime de Salazar.

O 25 de Abril foi um acontecimento que lhe atrapalhou a vida, mas não o fez desistir. Como muitos outros ingressou nas fileiras do então PPD, consciente que ai teria o guarda-chuva protector e, quem sabe, a alavanca que o poderia projectar na escalada profissional “a pulso”, como gosta de sublinhar. E foi mesmo isso que aconteceu.

Aproveitou um conjunto de acidentes favoráveis, juntou-lhe um grupo social saudosista e assim chegou à liderança do PPD/PSD que o deixou às portas do Governo. Para dominar o irrequieto partido, usou da autoridade, juntou-lhe medo e o carreirismo de muita gente e tudo correu como ele desejava. Defrontou-se com alguns percalços, sobretudo, quando perdeu a sua primeira aventura presidencial contra Jorge Sampaio, por quem não tinha ponta de consideração, como escreveu nas suas memórias.

Esperou oito anos para conseguir chegar ao topo do Estado. Depois de eleito, voltou a viver mal com a esquerda e com tudo o que representasse o 25 de Abril.

O anterior Governo, de que nunca gostei, mereceu-lhe as maiores críticas. Este, de que gosto menos ainda, é o “único caminho”, como ele disse num discurso que devia ser solene, mas que não passou de uma chicana, onde a réplica não é permitida. Devia tê-lo dito, quando se candidatou pela segunda vez. Assim, só agora ficámos a saber que Cavaco Silva defende, como único caminho, o empobrecimento dos portugueses e o experimentalismo económico, apesar dos trágicos resultados.

Deduzi, do seu discurso, que Cavaco Silva continua a acreditar nos sacrossantos mercados, como instrumento regulador da economia, qualquer coisa de “direito natural”, como lhe chamou, esta semana, o antigo PGR, Cunha Rodrigues. Sem medo das palavras, aquele magistrado também disse “basta”. De facto, este caminho não é único e, sobretudo, não é o melhor.

Portugal está sem Governo e, como agora confirmou o próprio Cavaco Silva, sem chefe de Estado. O futuro não augura nada de bom.

(*) “A Jangada de Pedra”, Sérgio F. Borges, Diário de Coimbra

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