domingo, 14 de abril de 2013

MÁ MONTAGEM


Já aqui deixámos a ideia de que chamar incompetente a este Governo não é a designação mais correcta porque é clara um linha de rumo que foi traçada desde que entrou em funções, embora, dentro dela se notem, por vezes, alguns ziguezagues e falta de destreza no encobrimento das verdadeiras intenções. O que se passou com o aproveitamento da declaração de inconstitucionalidade de algumas normas do Orçamento do Estado de 2013 é disso prova. Sabendo-se que a decisão do Tribunal Constitucional (TC) corresponde a 0,7% do PIB, e que a “cratera” deixada nas contas públicas por Gaspar é de 1,9% do PIB, pretende-se impingir na opinião pública a ideia de que é o TC o principal “responsável pelo falhanço de tudo o que foi feito até agora”. A partir daqui há a montagem de toda uma estratégia no sentido de pôr em prática mais uma série de medidas em favor da destruição do Estado Social, já tomadas há muito tempo, mas que aguardavam a melhor oportunidade que agora surgiu com o aparecimento de um bode expiatório, o TC. Daniel Oliveira chama-lhe “farsa” num excelente texto que assina no Expresso de ontem e que a seguir transcrevemos.


UMA FARSA EM CINCO ATOS

Às vezes precipito-me. No último sábado julguei que o governo estava a dramatizar a decisão do Tribunal Constitucional para conseguir uma negociação mais favorável com a troika, usando uma decisão alheia para mostrar aos credores que tinha pouco espaço de manobra para cumprir as metas acordadas. Depois desta semana, tornou-se evidente que a apresentação de um Orçamento inconstitucional não resultou de incompetência ou teimosia. A decisão do Tribunal Constitucional foi desejada. Para, a partir dela, montar uma farsa em cinco atos, como exigem as regras clássicas. Essa farsa começou ainda antes, no seu primeiro ato: são plantadas notícias nos jornais que dão conta da possibilidade de demissão do Governo e da inevitabilidade, caso o TC cumprisse a sua função, de um segundo resgate que era temido por todos desde que se conhecem os desvios às previsões económicas do Orçamento de Gaspar. Os críticos atribuíram a este momento o objetivo de pressionar os juízes. Só quando o primeiro-ministro falou aos portugueses se percebeu a trama: ter um pretexto, não para negociar com a troika, mas para impor ao país um programa que noutra circunstâncias seria liminarmente recusado.

Segundo ato da farsa: logo depois da decisão do TC, o Governo reúne de emergência. Saem notícias sobre a vontade de Paulo Portas e Vitor Gaspar saírem do Governo. Fala-se de um segundo resgate. Adensa-se um pouco mais o drama.

Terceiro ato: Passos reúne com o Presidente da República para lhe exigir apoio para este enredo. Se me é permitida uma crítica à economia desta narrativa, trata-se de uma cena inútil. A neutralização desta personagem é um dado adquirido, mesmo para o público menos atento. E exige apoio do PS, fazendo passar a ideia de que quem não seja cúmplice desta farsa é radical e irresponsável.

Quarto ato: o primeiro-ministro dirige-se aos portugueses para os convencer que será o buraco deixado pela decisão do Tribunal Constitucional (0,7% do PIB), e não a brutal cratera deixada por Gaspar nas contas públicas (1,9% do PIB), o responsável pelo falhanço de tudo o que foi feito até agora. Apresenta como medidas de emergência os cortes no Estado social que o Governo há mais de um ano decidira. O que era vontade de Passos passa a ser apresentado como uma inevitabilidade.

Quinto ato: Vitor Gaspar faz sair uma portaria que proíbe despesas correntes. A evidente desproporcionalidade de tal decisão, que um buraco de 800 milhões de euros líquidos nunca poderia justificar, deixará cantinas universitárias fechadas, repartições públicas sem material, centros de saúde sem meios, tribunais paralisados. Instala-se o caos e o medo para garantir o epílogo desejado.

Não é por acaso que foi dentro do PSD que surgiram as intervenções mais indignadas com a indecorosa farsa que subiu ao palco esta semana. Mais do que qualquer divergência ideológica ou diferenças sobre a forma como devemos sair da crise, a chantagem, suportada num discurso vingativo, numa prática irresponsável e num cinismo atroz, deixa clara a verdadeira natureza golpista destes farsantes. Nunca foi tão evidente que o Governo não nos quer tirar desta crise. Apenas a usa como oportunidade para impor a sua agenda. Não são incompetentes. São terroristas políticos.

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