segunda-feira, 15 de abril de 2013

TRISTE CENA


A triste cena protagonizada pelo Governo e, em particular, pelo Primeiro-Ministro, na sequência do chumbo de quatro normas do Orçamento do Estado (OE) de 2013 por parte do Tribunal Constitucional (TC) continua a fazer correr muita tinta. A população portuguesa está ansiosa por ver pelas costas este grupo de gente, sem crédito nem competência de qualquer espécie, que tomou conta do país, sustentada num rol de promessas que nunca teve a menor intenção de cumprir e que apenas se dedica à destruição do nosso modo de vida, tão arduamente construído ao longo de décadas de liberdade e democracia.

O texto seguinte constitui uma das melhores a mais completas abordagens da actuação da equipa Passos/Gaspar/Portas no contexto que rodeou a declaração de inconstitucionalidade de quatro normas do OE por parte do TC. Transcrevemo-lo do Diário de Coimbra de ontem.


Uma comédia negra! (*)

Passei o último fim-de-semana [6 e 7 Abril] com a atenção dividida entre os jornais, as televisões e as rádios, na inocente expectativa de que alguma coisa verdadeiramente substantiva acontecesse na política portuguesa. No final, feitas as contas, o resultado foi nulo.

É certo que o Tribunal Constitucional chumbou quatro normas do Orçamento de Estado. Mas era previsível. E foi à volta disto que se fez toda a gritaria, comandada por um histriónico Passos Coelho, como nunca se tinha visto. O mergulho foi excessivo e só não bateu com a cabeça no fundo da piscina, porque Cavaco Silva o segurou a tempo. Mas fiquei com a impressão de que os dois tinham combinado previamente aquela comédia negra que começou no Conselho de Ministros extraordinário e na ambígua nota final, com as evidentes impressões digitais de Paulo Portas. Deixava uma esperança aberta para a demissão do Governo. O segundo acto foi o pedido de audiência urgente que motivou uma declaração do Presidente da República, inócua, no que aos problemas do país diz respeito, mas caprichosa no apoio ao Governo. O terceiro e último acto, foi a comunicação de Passos Coelho à Nação. Deve ter contado de novo com a ajuda de Paulo Portas e espalhou-se.

Parecia um “miguelista”, no ataque que fez ao Tribunal Constitucional e, sobretudo, à Constituição da República. Tal como o infante Miguel, em 1826, também Passos Coelho quer agora substituir a Constituição por uma carta constitucional. Miguel pretendeu acabar com os devaneios da Revolução Liberal. Passos Coelho quer acabar com a arquitectura jurídica do Estado, saído da Revolução de 25 de Abril.

Ao replicar o acórdão do Tribunal Constitucional, foi claro, dizendo que situações de excepção precisam de medidas de excepção. Se bem o entendi, ele reclama que a grave crise justifica a substituição da Constituição, por outra coisa qualquer. Uma carta constitucional, quem sabe.

O ditador João Franco também o fez, para promover o acesso da burguesia endinheirada à propriedade, eliminando o exclusivo de uma aristocracia decadente e falida. Isto é, quis criar uma plutocracia que lhe sustentasse a ditadura.

Passos Coelho está convencido, ou quer convencer o país, que a Constituição é a causa de todos os males. Tal e qual, como João Franco. Uma luta antiga de parte da direita portuguesa. A verdade é outra, porque não foi a Constituição que fez a dívida, nem o milhão de desempregados. Assim como não foi a Constituição que fez as aberrações gestionárias que deixaram os bancos portugueses à beira da falência.

Pelo contrário, se a letra da Constituição e o espírito que a enforma tivessem sido devidamente acatados ao longo dos anos, talvez Portugal não tivesse chegado à penúria e ao flagelo social em que agora se afunda. Mas houve sempre vista grossa, para os privilégios violadores dos preceitos constitucionais que agravaram desigualdades, cultivaram egoísmos, capturaram o Estado e a democracia. As desgraças de Portugal não são os direitos adquiridos pelos assalariados, como a direita procura fazer crer. São os privilégios de alguns que, mesmo em situação de crise extrema, continuam intocáveis.

Com condescendência, tolera-se a Passos Coelho o direito de discordar do acórdão. Mas, a inteligência, até dispensa essa opinião, porque o orçamento que desafiou a Constituição era da sua lavra. Portanto, o bom senso e, sobretudo, o sentido de Estado aconselhavam apenas o silêncio e o recato. São poucos, muito poucos, os portugueses que gozam da prerrogativa de contestar uma decisão de um tribunal, em plena televisão. Competia, por isso, ao Primeiro-Ministro, não abusar desse direito. Fê-lo apenas por desespero, sem qualquer motivação ou argumentação genuinamente políticas. Esteve ao melhor de Robert Mugabe, sem cair no exagero de prender os juízes. Tudo isto reforçou a ideia generalizada na opinião pública de um governo ligado à máquina, como quem diz, a Cavaco Silva, um governo que se pode finar, a qualquer instante.

Uma ideia consubstanciada no episódio da substituição de Miguel Relvas. O Primeiro-Ministro podia e devia ter aproveitado a oportunidade para uma remodelação mais extensa, que desse um novo fôlego, mesmo que efémero, ao seu governo.

Em vez disso e depois de uma semana de espera, preferiu promover um secretário de Estado e descobrir um novo ministro, que nada vem acrescentar, apesar do mérito pessoal que muita gente lhe atribui. Fê-lo, como quem pretende substituir um matraquilho partido. Apenas com a extravagância de comprar dois, para o lugar de um.

(*) Sérgio Ferreira Borges

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