sexta-feira, 30 de agosto de 2013

PERSEGUIR A IMENSA ESPERANÇA


A chamada Terceira Via criada por Tony Blair foi uma espécie de cavalo de Troia introduzido nos partidos da Internacional Socialista, ou seja, aqueles que ideologicamente se identificavam com a social-democracia/socialismo democrático.
A ideologia blairista consistiu na contaminação cada vez maior de uma parte significativa dos fundadores e defensores do Estado social pelo ultraliberalismo. Em Portugal temos um significativo exemplo desta alteração de valores na prática do PS. Como afirma Domingos Lopes no texto que transcrevemos a seguir do Público de hoje “o simples facto de o PS se sentar a pedido de Cavaco com os partidos do empobrecimento e da destruição do Estado social deu força aos partidos do Governo e enfraqueceu o PS e a esperança à esquerda” na medida em que colocou em cima da mesa a possibilidade de os “socialistas” deixarem cair ainda mais elementos determinantes do Estado social. O comum dos cidadãos acaba, assim, por ver poucas diferenças entre PS e PSD, desistindo mesmo de votar…

Desde Tony Blair e a chamada terceira via, os partidos da IS vão deixando cair o Estado social.
Há, na verdade, palavras imensas. Fico-me pela palavra socialismo. Palavra que aproxima as esquerdas. Socialismo, sonho, como outrora o de Cristo, antes de a Igreja se inclinar perante o poder dos Césares. Como dizia Alegre num interessante artigo neste jornal do dia 21 de Agosto, citando Cesariny, há palavras imensas que esperam por nós. Eu acrescentaria pelas quais nós esperamos em perseguição pelo ideal contido na palavra. Há palavras imensas que aproximam os homens e as que os afastam e os tornam inimigos uns dos outros.
A palavra empobrecer, verdadeiro norte de Passos e Portas, cria um imenso campo de desgraça em que os de cima se tornam mais poderosos e ricos e a imensa maioria da população pobre.
Para tornar ainda mais ricos umas centenas ou alguns milhares de ricos, os governantes defendem a teoria do castigo do povo viciado em gastar e viver acima das suas possibilidades, conseguindo espalhar a má nova de que a actual crise resulta de quem vive dos seus rendimentos do trabalho de acordo com as regras da comunidade, aliás criadas por aqueles que se arvoram em carrascos da imensa maioria que acreditou nas promessas do sistema financeiro.
Esta é a palavra pela qual não esperamos e que os donos do dinheiro impõem aos portugueses.
Manuel Alegre analisa as várias rupturas nas esquerdas e até dentro delas, pois enquanto houver homens haverá sempre lugar a diferentes interpretações.
Porém, ao acabar de ler e acalentado pela "fé" na palavra que poeta não deixa morrer - socialismo - e tendo em conta a tese do autor de que vivemos num tempo em que os partidos tradicionais podem deixar de contar ou até desaparecer, dei comigo a pensar no futuro do PS com Seguro ao leme. Porquê? Porque se impõe perguntar qual o futuro do PS... E ainda porquê... porque o PS deixou cair os valores da esquerda que proclama ter... Vejamos: o PS diz-se contra a austeridade, mas foi negociar com o PSD e CDS, responsáveis pelo cumprimento do programa da troika. Era possível imaginar Coelho e Portas, a quem o PS acusa de ir além da troika, a fazerem um volte-face e virem defender o Estado social que o PS diz defender?
O que havia que negociar do ponto de vista do PS para encontrar o tal consenso com os partidos do Governo?
Que estiveram a "cortar" durante uma semana aqueles três partidos que os poderiam fazer chegar a um consenso cavaquista de cortes "aceitáveis"?
O simples facto de o PS se sentar a pedido de Cavaco com os partidos do empobrecimento e da destruição do Estado social deu força aos partidos do Governo e enfraqueceu o PS e a esperança à esquerda.
Porque o PS é um partido-chave para uma mudança (salvo se se entender que a mudança será sem eleições, do género revolucionário). Continuando, porém, a ser um actor que em muito pouco se distingue dos partidos do Governo, prosseguindo o caminho de incorporação na vaga ultraliberal que assola o mundo, liquidará o sonho social-democrata de muitos aderentes daquele partido.
Os sociais-democratas são co-fundadores do Estado social. Distinguiam-se dos liberais de direita e da direita exactamente por se vincularem à defesa do Estado social.
Pouco a pouco, desde Tony Blair e a chamada terceira via, os partidos da IS vão deixando cair os elementos-chave do Estado social. Tal como Passos e Portas dizem defender a escola pública, o Serviço Nacional de Saúde, a Segurança Social e a justiça para todos, mas na verdade o que fazem é transformar a educação, a saúde, a Segurança Social e a justiça em serviços sem qualidade, justificando novas privatizações e colocando o Estado que atacam ao serviço dos privados e em detrimento da comunidade no seu conjunto.
Houve, portanto, rupturas no passado entre as esquerdas como é escalpelizado no referido artigo. Há todavia novas rupturas na actualidade. Como vai reagir o povo português a este contra-senso? Vai continuar a dar o apoio ao PS ou percebendo que é "tudo a mesma coisa" desiste do apoio ao PS? Ou desiste do apoio ao PSD e espera pelo próximo número do Paulo-das-feiras-e-dos-contribuintes-contra-os-impostos-e-das-decisões-irrevogáveis-por-cima-da-Maria-Luís?
Ou ainda, encarando a realidade de outro ângulo, o PS não se diferenciando de modo claro e juntando-se à vaga neoliberal responsável pelo descrédito da política e do regime democrático, que futuro terá?
A democracia precisa de um PS que não se vergue à onda conservadora que varre o mundo. O mundo precisa de mudar. E Portugal também. Há palavras imensas que temos de perseguir: liberdade, igualdade, justiça, socialismo. Há palavras terríveis que todos os dias açoitam os portugueses: empobrecimento, austeridade. Precisamos da imensidão da palavra esperança, desejavelmente com o PS. Se não, com quem tiver esperança. E futuro.

Sem comentários:

Enviar um comentário