segunda-feira, 18 de novembro de 2013

CAPTURAS



A promiscuidade de interesses entre sector público e privado é um dado adquirido entre nós. Muita dessa promiscuidade tem a ver com a rotação que se verifica de membros de grupos económicos que vão ocupar lugares governativos ou de ex-ministros que transitam para conselhos administrativos de grupos económicos que foram favorecidos aquando da sua passagem pelo Governo. Não podemos ser ingénuos ao ponto de imaginarmos que tudo isto acontece por acaso. É que, além do mais, os exemplos são muitos…
Um texto do economista Eugénio Rosa, que encontrámos hoje no Diário As Beiras, aborda com muito a propósito uma das faces desta importante problemática.
Joseph Stiglitz, prémio Nobel da economia, no seu livro “O preço da desigualdade”, escreveu o seguinte sobre as entidades reguladoras: “Hoje em dia, em muitas áreas, as agências reguladoras são responsáveis pela fiscalização de um setor.
O problema é que os líderes (dos grupos económicos) nestes setores usam a sua influência política para nomear para as agências reguladoras personalidades complacentes com os seus objetivos. Os economistas referem-se a isto como captura do regulador. Por vezes a captura é associada a incentivos monetários: os que se encontram na comissão reguladora são provenientes do setor que é suposto regularem e aí regressam mais tarde. Os seus incentivos e os da indústria estão bem alinhados, ainda que estejam desalinhados com o resto da sociedade.
Se os da comissão reguladora servem bem o setor, são bem recompensados na sua carreira pós-governamental. Contudo, por vezes a captura não é motivada pelo dinheiro. Em vez disso, a mentalidade dos reguladores é capturado pelos regulados. Trata-se da captura cognitiva que é mais um fenómeno sociológico”. E refere mesmo como exemplo o ex-presidente da Reserva Federal americana Alan Greenspan.
Embora a citação seja longa ela tem a virtude de chamar a atenção de todos os portugueses para um fenómeno preocupante que se verifica também no nosso país, pois ele reforça o poder dos grupos económicos e, consequentemente, o seu domínio sobre a sociedade e a economia portuguesa e sobre o poder político em Portugal. No nosso livro “Grupos económicos e desenvolvimento em Portugal no contexto da globalização” mostramos, com base numa longa lista de mais de 100 nomes, de que forma o fenómeno conhecido por “porta giratória” se manifesta em Portugal (membros de grupos económicos que vão para o governo, e ex-membros do governo e de entidades reguladoras que depois vão para conselhos de administração de grupos económicos), o que contribui para a captura do próprio governo
No inicio de Novembro de 2013, face à captura da Autoridade da Concorrência (AdC) pelas petrolíferas, pois os preços dos combustíveis no nosso país sem incluir impostos continuam a ser superiores aos preços médios da U.E. sem impostos, o governo anunciou a criação de mais uma entidade de supervisão para o mercado de combustíveis: a EGREP, a empresa pública responsável pela gestão das reservas estratégicas petrolíferas, com funções alargadas. Mas os casos de captura das entidades reguladoras pelos grupos económicos que deviam supostamente controlar não se resumem a este.
A prová-lo está a proposta recente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) de aumentar o preço da eletricidade em 2014, depois aprovada pelo governo PSD/CDS. Segundo o comunicado da ERSE de 15-10-2013, o preço da eletricidade a clientes finais (famílias) aumentará, entre 2013 e 2014, em 2,8%. Interessa chamar a atenção que, entre 2007-2012, segundo a Direção Geral de Energia, o preço da eletricidade para as famílias aumentou 19,7% enquanto os preços no consumidor subiram 9,9%, e que a subida do preço de eletricidade aprovada pela ERSE para 2014 é 2,8 vezes superior à subida de preços prevista pelo governo no OE2014 para o próximo ano – apenas 1% – e certamente muito superior à subida dos rendimentos da esmagadora maioria dos portugueses no próximo ano.
E isto apesar dos lucros líquidos da EDP, o grupo económico dominante no setor, terem sido de 1.124,7 milhões de euros em 2011, de 1.012,5 milhões de euros em 2012, e, só nos primeiros 9 meses de 2013, atingiram 792,3 milhões de euros, segundo dados no “site” da EDP. Pode-se dizer com propriedade que a crise não atingiu a EDP nem os seus acionistas que são na sua maioria grupos económicos estrangeiros.

Sem comentários:

Enviar um comentário