quinta-feira, 14 de novembro de 2013

OS BENEFICIÁRIOS DA FOME



Paulo Morais é uma conhecida personalidade, geralmente bem aceite em muitos sectores da direita, vice-presidente da direcção da organização anti-corrupção Transparência e Integridade Associação Cívica, para além de docente do ensino superior nas áreas da Estatística e da Matemática. Entre 2005 e 2008 foi vice-presidente da Câmara Municipal do Porto (eleito pelo PSD), responsável pelos pelouros do urbanismo, acção social e habitação.
A notoriedade pública de Paulo Morais tem a ver com a denúncia que vem fazendo em diversos meios de comunicação social, da promiscuidade entre poderes políticos e económicos. Escreve regularmente no Correio da Manhã, de onde retirámos o seguinte texto publicado na edição de há dois dias. Nele é afirmado com frontalidade que os principais beneficiários das campanhas de recolha de alimentos para carenciados não são exactamente os que mais precisam… Mas o melhor é ler-se o texto na íntegra.
Aparentes acções de grande solidariedade, as campanhas de recolha de alimentos para carenciados constituem, isso sim, agressivas operações comerciais. Quem acaba por mais lucrar são supermercados e hipermercados, que vêem as suas vendas aumentar. A seguir vem o Estado, pois este acréscimo de consumo representa também aumento na coleta de impostos. E os pobres dos pobres que justificam as campanhas são, afinal, os menos beneficiados.
Em dias de recolha de alimentos, as grandes superfícies aumentam consideravelmente as suas vendas, sem sequer necessitarem de promoções ou até qualquer trabalho de marketing suplementar. As administrações do Pingo Doce e do Continente, que no seu conjunto detêm 90% do mercado de distribuição, devem rejubilar com esta campanha comercial, disfarçada de ação solidária. Ano após ano, os Bancos Alimentares contribuem para o acréscimo da sua faturação em dezenas de milhões de euros. Parte significativa deste montante engorda os lucros das empresas de distribuição. E não só. Também o Estado tira proveito deste acréscimo de consumo, pela via do IVA que é cobrado, em muitos dos produtos a 23%, o que representa também milhões de euros.
Assim, os voluntários da Cruz Vermelha que participam na ‘Operação Sorriso’ cumprem a função (involuntária) de promotores de vendas do Continente. Os milhares de jovens que colaboram com o Banco Alimentar julgam estar a ajudar as famílias portuguesas, mas as famílias que mais beneficiam das campanhas de recolha de alimentos são as de Belmiro de Azevedo e de Soares dos Santos.
A maior parte da ajuda fica pelo caminho, chegando às centenas de milhares de necessitados apenas uma reduzida percentagem do generoso esforço financeiro dos portugueses. E está mal aproveitado o trabalho abnegado de milhares de voluntários bem-intencionados que são usados, sem disso se aperceberem, como peças de uma máquina comercial. Para que as operações de oferta de alimentos aos mais carenciados sejam eficazes, há que encontrar esquemas alternativos de distribuição direta dosa recursos. A actividade solidária não necessita de ser taxada com IVA nem de intermediários que retêm a maioria do valor dos donativos, como é o caso dos hipermercados.

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