sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

SAFADEZA


É usual dizer-se que a cultura não dá votos. Também é do senso comum que a direita mais retrógrada trata a cultura com desprezo e, tanto assim é, que este Governo decidiu despromove-la no seu organigrama, para uma simples Secretaria de Estado. Não causa, por esse motivo, qualquer admiração que agora tenha decidido vender um dos poucos “anéis” que sobraram da gestão ruinosa do BPN – a colecção de 85 obras do pintor catalão Joan Miró. Ainda por cima, aquelas obras foram transportadas para Londres, à socapa, de forma ilegal como já confirmou a própria Direcção-Geral do Património. Eis mais uma prova de que este Governo não olha a meios para atingir os seus fins inclusive violar a lei, uma prática a que já nos habituou.
Se é verdade que o responsável imediato desta recambolesca acção é o Secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier (JBX), não devem restar dúvidas de que ela não poderia ser levada a cabo sem o conhecimento prévio do Primeiro-Ministro. O escritor António Vilhena exige no Diário de Coimbra de ontem a demissão de JBX (o Bloco já tinha feito esta exigência) pela traição que levou a cabo contra um património cultural que nos pertence mas, não os devemos esquecer onde se encontra a responsabilidade máxima.
A saída ilegal das 85 obras de Joan Miró, para serem leiloadas na Christtie’s, em Londres, constitui um caso de polícia que deve expor os responsáveis políticos ao contraditório, nomeadamente, na Assembleia da República. O BPN é a triste história que todos conhecemos – roubos, fraudes e promiscuidade entre negócios e política –, gente obscura que usou os poderes e as facilidades para enriquecimento fácil. Da nacionalização do BPN ficou um buraco que ainda estamos a pagar e alguns anéis dessa ruinosa gestão. Um desses anéis é a colecção de 85 quadros de Miró, avaliada a preço de saldo. Porque é preciso vender tudo: a EDP, os CTT, depois a TAP e, talvez, a Torre de Belém, os Jerónimos, a Batalha, o Museu de Arte Antiga, a Torre da Universidade de Coimbra e o Panteão… Quem nos governa vende-nos tudo, para enriquecer os credores que antes alimentaram os BPNs e que agora exigem mais para alimentarem a sua usura compulsiva.
Todos sabemos, e os hipócritas do Governo também o sabem, que a Arte Moderna é mais rentável que a especulação bolsista. Em todo o mundo os grandes museus de Arte Moderna digladiam-se pela aquisição das obras de Miró, e este leilão, para já adiado, constitui uma oportunidade para enriquecerem o seu catálogo. Não perceber isto, ou pior, fingir que não sabem, assume contornos de crime e de traição à pátria. O esbulho institucional indigna e convida à revolta. Já sabemos que alguém foi cúmplice pela saída ilegal deste acervo único de Miró do país, já sabemos quem tutela a pasta da Secretaria de Estado da Cultura não considera relevante a colecção, já sabemos que a maioria que apoia este governo é contra que a colecção permaneça em Portugal. O que ainda não sabemos foi quem deu cobertura à fuga clandestina da colecção para Londres, sem o parecer da Direcção-Geral do Património Cultural. A vontade de vender esta colecção do pintor catalão é tanta que parece valer tudo, inclusive violar a Lei de Bases do Património Cultural, “levando pela calada da noite os quadros para o porão de um avião, sob escolta de seguranças privados”. Enfim, uma odisseia com emoção e suspense. É o próprio acórdão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que considera que a “expedição das obras é manifestamente ilegal”. Se não fosse trágico poderíamos entreter-nos com o problema da praxe mais uns meses, até Maio. Mas esta questão ajuda a perceber que senhores nos governam, que interesses defendem, que Portugal querem para os nossos filhos. O Secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, parece como um vendedor de cabeças de gado, insiste que a colecção não é uma prioridade para Portugal. E vai mais longe, intimida, faz chantagem, faz guerra psicológica ao assumir que, se os portugueses não quiserem vender a colecção, terão de sofrer as consequências na saúde e na educação. Com figurantes destes no governo, que olham para a Cultura como se tratasse de um enchido, obrigando-nos a escolher entre cultura e a educação ou a saúde, é caso para dizermos que o sinistro Jorge Barreto Xavier não tem mais condições para ocupar a cadeira da Secretaria de Estado da Cultura. E, agora, percebemos por que não temos um Ministério da Cultura: porque esta gente que nos governa é inculta e está ao serviço de interesses esconsos. Esta gente como o sinistro Jorge Barreto Xavier, tem que ser julgada pelo povo. O mínimo que se exige é a sua demissão.
Portugal não pode continuar refém de tanta mediocridade, de tantos carniceiros e vendilhões do templo. Quem olha para a cultura como um boi para um palácio encontra, com toda a certeza, semelhanças entre uma pintura Miró e um fardo de palha. 

Sem comentários:

Enviar um comentário