terça-feira, 25 de março de 2014

PODEROSOS: A IMPUNIDADE CONTINUA


Invariavelmente os processos relativos a gente muito poderosa acabam em nada ou seja, os prevaricadores conseguem sempre escapar-se por algum alçapão ou janela existente na legislação. Os portugueses sabem que esta é a regra (?) e até já se habituaram a lidar com ela, o que é muito mau pois a impunidade dos chamados crimes de colarinho branco começa a ser observada com indiferença.
Um dos últimos casos conhecidos, que tem a ver com o banqueiro Jardim Gonçalves, é abordado hoje no Público (edição impressa) pelo sociólogo Boaventura Sousa Santos, num longo artigo com muitos termos jurídicos mas onde a parte que parece mais significativa e interessante para o cidadão comum é aquela que contém o seguinte excerto:
A dupla impunidade de Jardim de Gonçalves (não há condenação e não há devolução de dinheiro ilicitamente obtido) deveria cobrir de vergonha todas as instituições envolvidas e levá-las a pedir desculpa aos cidadãos e cidadãs deste país a quem o Estado considera ricos por terem rendimentos mensais pouco superiores ao salário mínimo e a quem corta pensões e salários magros, subsídios de transporte para tratamentos contra o cancro, abonos de família, rendimento de reinserção, apoio na educação especial. Em vez das desculpas, assistimos ao habitual espetáculo de transferência de culpas: o BdP diz que a culpa é do tribunal, que julgou mal o caso e que depois demorou muito tempo a retomar o julgamento; o Conselho Superior da Magistratura (CSM) diz que a culpa foi do BdP, que demorou muito tempo a investigar; a Associação Sindical dos Juízes diz que a culpa é do legislado,r que deveria prever prazos mais longos de prescrição; o principal partido da oposição chama o CSM ao Parlamento porque quer averiguar a culpa; e o Governo está perplexo, pois a ministra da Justiça já declarou, por várias vezes, que com ela tinha terminado a impunidade dos poderosos e há poucos dias anunciou triunfantemente o cumprimento de todas as reformas da troika.
A gravidade para o país dos atos de Jardim Gonçalves e outros exige que as instituições envolvidas na investigação e julgamento, bem como os poderes judicial e político, deem por terminado o pingue-pongue da culpa e atuem com alta responsabilidade democrática. Essa ação deve ter dois momentos. No imediato, exige uma união de esforços no sentido de precaver a prescrição em outros processos, o que obriga a um levantamento exaustivo de todos os casos em que tal possa ocorrer, destacando-se, se necessário, equipas para o efeito e a um reforço de meios. A curto e médio prazo deve fazer-se uma profunda reflexão sobre as razões do arrastamento dos casos de grande criminalidade económica que levam à prescrição, a absolvições ou a fracas condenações, apesar da convicção do tribunal da culpabilidade dos arguidos. E, acima de tudo, tornar essa reflexão verdadeiramente consequente.
Afinal de contas, o fim da impunidade dos poderosos que a ministra da Justiça prometeu aos portugueses ficou, tudo o indica, mais uma vez adiada. Compreende-se…

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