domingo, 18 de maio de 2014

CELEBRAR A DESGRAÇA?


Por muito que a maioria de direita nos queira fazer crer, não houve nada para celebrar no dia 17 de Maio, data a partir da qual, supostamente, terminaria a intervenção da troika em Portugal. Desde, logo porque essa intervenção não cessou. Não há nenhuma “libertação”, nenhum “1640”, porque o nosso dia-a-dia só não vai ficar na mesma porque vai piorar. Aqueles poucos que ainda acreditam na máquina de propaganda do Governo, rapidamente terão uma forte desilusão. E não são radicais ou esquerdistas que lançam este alerta mas pessoas de dentro dos partidos da maioria, especialmente, do PSD. O exemplo que aqui trazemos hoje é a transcrição de um artigo de opinião publicado na passada quinta-feira no Diário de Coimbra e assinado por Carlos Encarnação, antigo presidente da câmara eleito pelo PSD. Como se pode facilmente verificar, a sua posição não deixa margem para dúvidas.
Por mais que alguns queiram celebrar este momento com alegria, confesso que não consigo. A ideia que passou, nos primeiros tempos do programa desenhado pela troika, foi a de que uns anos de restrições e sacrifícios nos levariam a um purgatório mais aceitável nos anos seguintes.
Durante estes últimos três, vivemos entre o pau e a cenoura.
Para receber cada tranche do empréstimo, fomos obrigados a cumprir exigências crescentes.
A dúvida era, sempre, se passávamos no exame e recebíamos ou chumbávamos e o dinheiro se evaporava.
Deslocou-se, portanto, a óptica da reforma do País para o cumprimento da pesada pena.
Foi um erro.
Chegados a este ponto, temos a percepção nítida da transitoriedade do realizado.
O Estado só não está na mesma porque está pior.
E o ímpeto reformista necessário e desejável perdeu-se no aumento dos impostos e na economia das pensões e salários.
Como pano de fundo, um País mais pobre, mais velho, mais incerto.
Quem se opõe ao programa a que obedecemos conclui, com facilidade, que nenhum dos objectivos estimados foi cumprido, nem quanto à dívida, nem quanto ao défice, nem quanto ao crescimento do PIB, nem quanto ao desemprego. É verdade.
Foram conseguidos outros e, principalmente, o grande sucesso da diminuição das taxas de juro e da acalmia dos mercados.
Há várias teorias a explicar este resultado. Poucas referem o programa e, quando muito, ligam-no ao cumprimento das intenções de redução do défice orçamental.
Em contrapartida, Portugal continua sem investimento significativo, sem entusiasmo na criação de postos de trabalho, sem ideia de alteração do rumo económico.
Damo-nos conta de ser um País com uma taxa de nascimentos preocupante, com políticas de apoio à maternidade afectadas pelas restrições aos salários e pelos aumentos dos impostos, com saída massiva de jovens qualificados e não qualificados. E, por outro lado, com um equilíbrio muito precário entre importações e exportações, de tal maneira que basta um tremor na produção da Galp para que tudo se inverta.
Acabaram, por agora, as avaliações da troika. Não refizemos o país.
A Europa, personificada pelo Senhor Presidente do Eurogrupo, prefere a ameaça surda em tempos propícios ao desenho da esperança.
Somos um País de salários baixos a caminho dos baixos salários, um País de Estado máximo a insistir no Estado estúpido, um País em equilíbrio no arame sem rede.
Pergunto-me por quanto tempo podemos continuar assim, a executar políticas sem imaginação sob o olhar distante dos nossos credores.
Até aqui, vivíamos sob a desculpa de termos um governo a governar em nome de outrem.
Bem quisemos continuar nessa senda que era a de um programa cautelar. Acabou. Resta-nos o cumprimento da estratégia escrita.
Entretidos, lutaremos uns contra os outros, pessoas e instituições, recorrendo a pequenos truques, ou a ideias provocatórias, ou a bravatas partidárias.
Até quando?
Optimista, como sempre, sonho com o dia em que consigamos romper com o desespero de Pessoa quando, porventura noutra ocasião (das muitas) em que a História pátria se repetia, proclamava:
“Tudo é incerto e derradeiro,
Tudo é disperso, nada é inteiro,
Ó Portugal, hoje és nevoeiro!”
Sou optimista mas, peço desculpa, seria uma violência celebrar o que quer que fosse.

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