terça-feira, 20 de maio de 2014

LEI DA ROLHA PARA OS PROFISSIONAIS DA SAÚDE


Os portugueses já se habituaram ao tipo de linguagem utilizada pelo Governo quando nos prepara alguma malfeitoria. É o que se está a passar com aquilo que foi designado por “Código de Ética do Ministério da Saúde” e que, em linguagem simples, acaba por se traduzir numa mordaça a todos os profissionais ligados ao sector público da saúde.
Depois da estratégia usada para baixar ordenados e pensões de reforma, fazer despedimentos, aumentar impostos e reduzir o Estado Social a uma caricatura, pretende dar-se início a um processo de silenciamento das pessoas, só comparável ao que se passa em regimes ditatoriais, com a agravante de, nestes casos, conhecermos bem as regras do jogo e na actual situação ser tudo muito indefinido. É mais um pilar da democracia que está a ser atacado. Se a coisa pega no sector da saúde, outros se seguirão, não tenhamos dúvidas sobre isso.
De qualquer maneira, as reacções a esta lei da rolha que Paulo Macedo pretende impor aos profissionais do SNS já começaram a fazer-se sentir e prevê-se que sejam muito violentas.
Sobre este tema, leia-se o que José Vitor Malheiros nos diz no Público de hoje.
Chamam-lhe o novo Código de Ética do Ministério da Saúde. Ainda não entrou em vigor, mas está em fase de consulta e o texto foi enviado a várias organizações, algumas das quais já fizeram os seus comentários.
Entre as disposições do documento de que a imprensa se fez eco consta o dever, para todos os funcionários que trabalhem no Serviço Nacional de Saúde, de “guardar absoluto sigilo e reserva” sobre qualquer informação que possa “afectar ou colocar em causa” o interesse da organização.
Para além desta disposição, determina-se que todos os “colaboradores e demais agentes” dos organismos sob a tutela do Ministério da Saúde “devem abster-se de emitir declarações públicas, por sua iniciativa ou mediante solicitação de terceiros, nomeadamente quando possam pôr em causa a imagem da (nome do serviço ou organismo), em especial fazendo uso dos meios de comunicação social”.
A primeira curiosidade do documento é o facto de se chamar “Código de Ética”, mas esse facto deve atribuir-se ao newspeak adoptado pelo Governo, que chama “libertação” a despedimentos, “ajustamento” ao empobrecimento, “oportunidade” ao desemprego, “privilégios” a pensões, etc. Um nome mais adequado para o documento seria "Procedimentos de intimidação e controlo”, mas como de cada vez que um membro do Governo usa uma designação honesta lhe cai uma orelha, Paulo Macedo não quis correr o risco.
Repare-se que esta proibição não se aplica apenas quando as eventuais declarações dos colaboradores e demais agentes “possam pôr em causa a imagem” do organismo, mas em todos os casos. O “nomeadamente” está lá para vincar que isso é proibido, mas o resto também.
É particularmente reveladora a expressão que considera uma agravante (“em especial”) a difusão não autorizada de informações aos meios de comunicação social.
À primeira vista parece estranho que os media apareçam singularizados como o inimigo principal (não faria mais sentido ser especialmente duro com a partilha de informações sensíveis com o crime organizado? Com organizações terroristas? Potências estrangeiras? Corretores de Bolsa? Fornecedores do Estado?), mas a intenção é clara: o objectivo não é defender o Estado ou os organismos do Ministério da Saúde de qualquer perigo particular, nem defender a lisura de procedimentos ou garantir uma leal concorrência nos contratos públicos ou outra qualquer razão admissível. O que se pretende é, simplesmente, garantir a opacidade dos organismos do Serviço Nacional de Saúde e intimidar os seus funcionários, de forma a impedir que o público seja informado do seu funcionamento interno, mesmo quando ele apresente problemas graves, e desresponsabilizar os dirigentes pelas suas decisões.
Um verdadeiro código de ética deveria estabelecer que a principal responsabilidade dos funcionários do SNS é para com os cidadãos e que é seu dever denunciar e divulgar qualquer situação que, em consciência, lhes pareça atentatória da qualidade técnica e humana que esses serviços devem garantir, de forma a garantir os altos padrões de funcionamento que o público exige. É lamentável que a lei da rolha e a intimidação a priori de qualquer eventual whistleblower  [chamemos-lhe tagarela] seja a prioridade de Paulo Macedo.
Sobre este ponto merece menção a atitude da Ordem dos Médicos, cujo Conselho Regional do Sul decidiu apoiar os seus membros que falem publicamente sobre o que se passa nos seus locais de trabalho e prometeu estar “ao lado de cada médico que seja ameaçado por denunciar situações de grave prejuízo para os doentes no seu serviço ou instituição”.
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