sexta-feira, 20 de junho de 2014

AS MALHAS EM QUE O IMPÉRIO SE ENREDA


Os EUA poderão estar a preparar-se para regressar ao Iraque, no momento em que é anunciado que vão enviar 300 conselheiros militares para “treinar, assistir e apoiar” as forças armadas do regime iraquiano na sua luta contra o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL). Inclusive, David Patraeus, antigo comandante das tropas norte-americanas no Iraque, mostrou-se favorável a ataques cirúrgicos contra o EIIL.
Antes de mais convém perceber o que é o EIIL e a responsabilidade que os EUA tiveram na sua formação, assim como com o apoio que concederam ao seu lançamento na Síria.
O texto seguinte (*), transcrito do Diário de Coimbra de ontem, faz alguma luz sobre esta problemática que, a longo prazo poderá atingir a Europa.
Mais por oportunismo do que por qualquer razão histórica e logo após o final da 1ª Grande Guerra, foram assinados secretamente os acordos Sykes-Picot, em que os governos, britânico e francês, acordaram na divisão e controlo das regiões do Médio Oriente, que pertenciam ao império otomano, nomeadamente a grande Síria, incluindo o Líbano, e o Iraque. Quase cem anos depois e não como em Abril de 2003, eis a chegada pouco triunfal de George Bush ao Iraque e ao Golfo Pérsico, agora sob a forma de um porta-aviões com designação oficial, aguardando ordens para retirar os cerca de vinte mil americanos que ainda lá se encontram, entre pessoal diplomático, técnicos e comerciais da indústria petrolífera e agentes de empresas de segurança (mercenários).
Convém recordar e nunca esquecer, as palavras proferidas pelo seu sucessor Barack Obama, no momento em que anuncia a saída do Iraque, precisamente no dia 14 de Dezembro de 2011: “ os Estados Unidos deixam um país soberano, estável e autosuficiente”. Eram, também, as “ideias democráticas” de Bush, quando inventou as armas de destruição de Saddam Hussein, no qual foi apoiado por Portugal e mais sete países, na denominada “declaração dos Oito”, de que ficaram as imagens de Bush, Blair, Aznar e Durão Barroso na base das Lages, nos Açores, e a destruição do país, então o mais avançado da região.
Hoje e perante tanta irresponsabilidade e criminalidade, sobretudo americana, eis que as preocupações se concentram no Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL, xiita), cuja matriz surge logo no início da ocupação americana, quando é o próprio responsável máximo Paul Bremer, homem de confiança pessoal de Bush, a desmantelar o exército, colocando na rua e no desemprego centenas de milhares de soldados e oficiais, na sua maioria sunitas.
 Oito anos mais tarde, é o actual primeiro-ministro xiita Al-Maliki – uma das figuras mais corruptas da história iraquiana – a ordenar a prisão, a tortura e o assassinato de milhares de jovens sunitas, momento que assinala o renascimento do EIIL no Iraque, depois da sua “magnífica” atuação na Síria, após centenas dos seus militantes terem seguido uma formação militar no Catar, com o beneplácito americano, antes do afrontamento entre este pequeno reino e a Arábia Saudita e que conduziu à queda da “irmandade muçulmana” – considerado pelos Saud como uma organização terrorista – então no poder no Egito e na Tunísia. Ainda há pouco, Arábia Saudita, Estados Unidos e Israel apadrinharam o lançamento do EIIL na Síria, enquanto hoje, um “país maldito” como o Irão já poderá servir como interlocutor.
Não me podendo alongar nos detalhes de tudo isto, do massacre de inocentes à violação de mulheres e crianças, da rutura social e económica de nações inteiras, do descalabro civilizacional que tudo isto representa, quero aqui deixar, aos leitores deste jornal que tudo isto e o que se seguirá, estava já planificado.
Para tanto bastaria consultar os dados de que disponho (CIA, Maps and Publications/EIA, US Energy Information Administration/CPDC, Comité Profissional do Petróleo) para simplesmente constatarmos que da Líbia ao Iraque – a Arábia Saudita ficará para o fim das hostilidades – se vão registar alterações geopolíticas significativas.
Como exemplo, a Líbia seria sujeita a uma decomposição com a Cirenaica a leste, Fazzan a sul e a Tripolitânia a oeste, enquanto o Iraque teria um Curdistão alargado à Síria, o mesmo acontecendo com a faixa central do Iraque, que passaria a incluir a zona sunita síria, ficando os xiitas com a zona sul, da capital até Bassorá. Se a este cenário devastador acrescentarmos o que se passa no Sahel, surge de uma evidência extrema de que a Europa se encontra numa das extremidades do arco jihadista, uma verdadeira bomba atómica que os líderes europeus vão soprando para cima da Ucrânia/Rússia.
“Bonito serviço” foi a expressão de abertura de um jornal desportivo sobre o resultado do primeiro desafio da equipa nacional de futebol contra a Alemanha, no mundial do Brasil. Não encontro melhor título para o que acabo de escrever.
(*) João Marques, diplomado em Ciências da Comunicação

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