segunda-feira, 24 de novembro de 2014

DESINVESTIR NA SAÚDE


Quem tem necessidade de recorrer aos serviços de saúde nota perfeitamente a actual carência de profissionais desta área relativamente a anos atrás. Também é voz corrente entre médicos, enfermeiros e outros profissionais necessários ao funcionamento das unidades de saúde a escassez de pessoal. Para além dos despedimentos, não se faz a renovação de muitos quadros que se vão reformando.
Para qualquer cidadão comum é fácil perceber, como não podia deixar de ser, que a qualidade dos serviços se ressente. As falhas podem acontecer com muito mais facilidade.
Esta e outras questões que têm necessariamente consequências na qualidade dos serviços de saúde prestados são abordadas de forma insuspeita por Carlos Cortes, Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, no Diário de Coimbra de há quatro dias.
O setor da saúde tem vivido uma situação pandémica de um surto inquietante e prolongado que tem invadido a maioria das unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS). É uma situação transversal no país, tanto em hospitais centrais como em unidades de saúde mais periféricas, tanto em serviços nucleares como em especialidades mais diferenciadas. Nenhuma verdadeira cura tem sido eficaz para contrariar este flagelo porque, objetivamente, parece não existir vontade de o ver resolvido. Não se trata de um surto convencional de etiologia microbiana mas de um assunto com implicações prejudiciais sobre a prestação de cuidados de saúde. Refiro-me à falta de recursos humanos na área da saúde, nomeadamente médicos, que tem comprometido a manutenção e o desenvolvimento sustentado dos cuidados de saúde em Portugal. A maioria das unidades de saúde têm dificuldades em renovar os seus quadros médicos. Os serviços de urgência, entre outros, são o centro desta preocupação.
Esta realidade é reconhecida por todos, nomeadamente pelos próprios Conselhos de Administração, Direções Clínicas e Direções de Serviço, impotentes na sua resolução por manifesta falta de mecanismos que possibilitem a contratação ajustada de médicos para as necessidades detetadas. Por melhor que possa ser considerado o SNS, a sua resposta nunca será adequada se escassearem médicos, enfermeiros, farmacêuticos, técnicos, administrativos e todos os outros profissionais das unidades de saúde. O SNS não funciona sem profissionais nem sem equipas estruturadas e organizadas. Infelizmente vários dirigentes da Saúde ainda não perceberam esse princípio.
Em 2011, o Ministério da Saúde decidiu, de forma sub-reptícia e sem discussão prévia, que as carências em recursos humanos médicos seriam resolvidas com recurso a empresas privadas especializadas – ou pretensamente especializadas – no recrutamento de médicos. O objetivo é permitir que a contratação de médicos para as unidades do SNS seja feita por empresas privadas e não diretamente pelos hospitais e centros de saúde onde serão colocados. Hoje, a qualidade e a  diferenciação dos recursos humanos em saúde têm sido desprezados em prol de um negócio baseado em preços/hora humilhantes e indignos para os profissionais, muito abaixo dos chorudos benefícios encaixados pelas próprias empresas. Desnecessariamente, estas empresas têm sido intermediárias entre as instituições de saúde e os profissionais, substituindo o papel dos Diretores Clínicos e dos Diretores de Serviço na escolha e contratação dos profissionais. Na maioria dos casos, os hospitais têm médicos a trabalhar nas suas instalações que nem sequer conhecem. A autonomia dos hospitais e dos centros de saúde passou a depender da vontade do “empresário da contratação médica”. As questões a colocar são: porque deixaram os hospitais de poder contratar diretamente todos os seus profissionais? Porque têm os hospitais de depender das escolhas duvidosas de empresas privadas que operam no mercado?
Essas empresas, só muito excecionalmente, têm experiência conhecida na área da saúde. Algumas foram criadas sem nenhuma experiência em recursos humanos e com o único propósito de se candidatarem a um negócio polpudo. Mais grave ainda, algumas delas concorreram sem sequer terem um quadro de médicos e tentam aliciar os médicos das unidades se saúde para as quais são contratualizadas.
Esta situação tem largamente contribuído para a desqualificação dos cuidados de saúde e para a fuga dos profissionais diferenciados do SNS.
A maior sustentabilidade do SNS é feita à custa da qualidade, da entrega e do esforço dos seus profissionais. Desinvestir nesta área é a melhor forma de prejudicar o SNS.

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