terça-feira, 2 de dezembro de 2014

MARIANA MORTÁGUA: UMA INTERVENÇÃO DECISIVA


A intervenção decisiva de Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, para impedir o regresso das “subvenções vitalícias para ex-titulares de cargos políticos com rendimentos mensais médios superiores a dois mil euros” raramente é referida quando este tema é abordado. O que dois deputados do bloco central se preparavam para fazer à socapa, mas com o evidente conhecimento dos seus lideres, por muito que eles o neguem, era uma afronta à esmagadora maioria do povo português que tem vindo a sofrer as consequências de uma austeridade criminosa desde há três anos. Um privilégio deste tipo não se concebe em qualquer circunstância e o recuo que se verificou por parte dos seus proponentes não foi por uma questão de “bom senso”, como alegam, mas pela pressão da opinião pública mobilizada por Mariana Mortágua. Apesar do sectarismo ideológico revelado pela omissão do nome da deputada do Bloco de Esquerda em todo este processo, faz sentido que aqui se apresente mais uma tomada de posição sobre ele (*), que mais não seja como uma forma de alerta.
Foi com absoluta indignação que os portugueses se aperceberam de que a Assembleia da República se preparava para terminar com a suspensão introduzida em 2014 nas subvenções mensais vitalícias atribuídas a ex-titulares de cargos políticos com rendimentos mensais médios superiores a dois mil euros.
Em primeiro lugar, pelo princípio invocado para sustentar a existência de subvenções vitalícias. De facto, o actual sistema político encontra-se numa profunda crise, e um dos motivos é, precisamente, a qualidade mediana dos agentes políticos, apesar das honrosas excepções. A existência de subvenções vitalícias parte do pressuposto de que existem políticos de carreira. Porém, o que deve ser implementado é um método de recrutamento dos melhores para o desempenho de cargos políticos, o que origina uma maior rotatividade nestes cargos e, portanto, a inutilidade destas subvenções.
O usufruto de uma subvenção mensal vitalícia, após dez ou 12 anos de exercício de um cargo político, não apenas carece de sustentação ética, como as consequências em que se traduz são particularmente nefastas para a saúde do sistema e da própria classe política. Trata-se de uma prática que deve ser rapidamente abolida da nossa sociedade. Isto não implica que a actividade política não deva ser dignificada, a todos os títulos, e que em casos devidamente justificados não se possa atribuir um subsídio de reintegração de modo a ser possível aos políticos refazerem a sua vida profissional.
Ainda mais grave, porém, é a total falta de oportunidade desta medida. Num momento em que o país se está a desmoronar, onde a crise social e económica se associa a uma crise sem precedentes das instituições a todos os níveis do Estado e em todos os patamares do poder político, é incompreensível a falta de lucidez de alguns agentes políticos. Como é possível propor uma medida desta natureza com a actual taxa de desemprego, com os sacrifícios impostos aos pensionistas e reformados, com os cortes brutais na administração pública, com as carências que existem no sistema de saúde, com emigração forçada de dezenas de milhares de jovens que assim se vêem obrigados a abandonar as suas famílias?
Esta proposta foi retirada e, nas palavras do seu proponente, por uma evidente questão de “bom senso”. Pena é que tenha sido este o único fundamento. E que não se tenha aproveitado esta oportunidade para afirmar claramente que a reposição das subvenções vitalícias fere os mais elementares princípios da ética política.  
(*) Rui Nunes, Professor, coordenador do Fórum Democracia e Sociedade e presidente da Associação Portuguesa de Bioética, Público

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