domingo, 8 de março de 2015

JÁ ESPERÁMOS TEMPO SUFICIENTE


A existência de um dia mundial das mulheres é o primeiro dado da permanência de uma situação de desigualdade relativamente aos homens. Neste dia 8 de Março é muito importante fazer lembrar esta situação, mais grave em alguns países que noutros mas não completamente erradicada de nenhum país.  Como aqui referimos ontem, no Afeganistão, por exemplo, ainda se chega ao ponto de se assistir a uma manifestação de homens vestidos de burka, em defesa dos direitos das mulheres…
A propósito deste dia da mulher, consideramos muito importante deixar aqui este interessante texto (*) que transcrevemos do Público de há dois dias.
Aproxima-se a 59.ª sessão da Comissão do Estatuto das Mulheres; entre os dias 9 e 20 de Março, a sede das Nações Unidas (Nova Iorque) acolherá o tema “Pequim+20”. Trata-se de um momento histórico relevante, dado que decorrem exatamente 20 anos sobre a adoção da Declaração e da Plataforma de Ação — dois documentos políticos resultantes da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres, das Nações Unidas, que teve lugar na cidade de Pequim em 1995.
A Plataforma de Ação, subscrita por 189 Governos, é desde então um dos instrumentos de referência mundial no que diz respeito à construção da igualdade entre mulheres e homens. Integra medidas concretas relativamente a doze objetivos estratégicos: a) as mulheres e a pobreza; b) educação e formação das mulheres; c) as mulheres e a saúde; d) a violência contra as mulheres; e) as mulheres e os conflitos armados; f) as mulheres e a economia; g) as mulheres no poder e na tomada de decisão; h) mecanismos institucionais para o progresso das mulheres; i) os direitos humanos das mulheres; j) as mulheres e os meios de comunicação social; k) as mulheres e meio ambiente; l) e os direitos das raparigas. Passadas duas décadas, é tempo de avaliar os desenvolvimentos das áreas estratégicas de intervenção, identificar os principais obstáculos ao progresso, e definir iniciativas e ações concretas que possam acelerar a mudança preconizada.
De entre as doze áreas críticas inscritas na Plataforma de Ação de Pequim (PAP), detenho-me agora na promoção da participação das mulheres no poder e na tomada de decisão (objetivo estratégico G). Recordo que há 20 anos os governos, o sector privado, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações patronais, as instituições de investigação e académicas, os organismos públicos e as organizações não-governamentais foram exortadas a: adotar medidas que permitissem a criação de uma massa crítica de mulheres dirigentes, executivas e gestoras em lugares estratégicos de tomada de decisão (através de iniciativas de ação positiva); criar ou reforçar mecanismos de acompanhamento de acesso das mulheres aos níveis superiores de tomada de decisão; rever os critérios de recrutamento e nomeação para os organismos de consulta e de decisão, bem como os critérios de promoção a postos de direção (a fim de afastar enviesamentos em função do género); garantir a igualdade na representação de mulheres e homens nas respetivas estruturas internas, incluindo a igual participação nos seus órgãos de decisão e nas negociações em todos os sectores e a todos os níveis; possibilitar a reestruturação dos programas de recrutamento e de progressão nas carreiras para assegurar a igualdade entre homens e mulheres no acesso à formação empresarial, técnica, em gestão e liderança; aplicar critérios transparentes para lugares de decisão, garantindo uma representação equilibrada dos organismos de seleção; e ministrar às mulheres e aos homens uma formação capaz de promover relações de trabalho não discriminatórias.
Ainda naquele ano (1995), o Conselho da Europa constituiu um grupo de peritos/as para a conceptualização de uma perspetiva integrada de género e a definição das metodologias inerentes. O Conselho Europeu reconheceu, por essa altura, o compromisso da União Europeia com a PAP e expressou a intenção de monitorizar anualmente a sua implementação em todos os Estados-Membros. Após a concordância do Conselho Europeu em Dezembro de 1998, procedeu-se a partir de 1999 ao desenvolvimento de indicadores quantitativos e qualitativos de monitorização das ações contempladas nas áreas críticas da PAP. No que diz respeito à tomada de decisão na esfera económica, só no âmbito da Presidência Italiana, em 2003, foram definidos nove indicadores para efeitos de monitorização e acompanhamento das eventuais mudanças.
É de referir que o programa europeu de ação (1991-1995) já consagrava o objetivo de alcançar uma representação equilibrada de mulheres e de homens em todos os processos de tomada de decisão, a todos os níveis da sociedade. Uma recomendação do Conselho, de 6 Dezembro de 1996, ao fazer referência a uma recomendação anterior, de 1984, aconselhava os Estados-Membros a adotarem uma estratégia integrada para promover esse equilíbrio (incluindo medidas legislativas e/ou regulamentares e/ou de estímulo). Mas, ao longo dos anos, o percurso normativo tem sido muito vagaroso (como aqui escrevi no dia 5/12/2014 — “Lenta Europa. Onde paira a proposta de Diretiva para promover a representação equilibrada de mulheres e homens nos conselhos de administração?”).
Não é preciso ser especialista nesta matéria para rapidamente depreender que pouco se avançou no domínio da participação das mulheres no poder e na tomada de decisão, muito em particular na esfera económica. Em Santiago (Chile), nos dias 27 e 28 de Fevereiro de 2015, várias mulheres em lugares de liderança reuniram-se em torno do tema “Women in power and decision-making: building a different world”, num evento apoiado pela própria presidente do Chile, Michele Bachelet, anteriormente Diretora-executiva da ONU-Mulheres. A avaliar pelo lento e arrastado ritmo das mudanças, serão ainda precisos 81 anos para alcançar a paridade nas empresas e 75 anos para que se vença a desigualdade salarial em desfavor das mulheres. Urge, assim, um renovado compromisso político relativamente às áreas críticas da PAP, explicitamente orientado para o alcance de mudanças substantivas e para a definição de metas temporais claras e objetivas. Estabeleceu-se ali como limite um intervalo de 15 anos. É este o tempo para a concretização do empoderamento das mulheres, a plena efetivação dos direitos humanos das mulheres e raparigas, e o fim de todas as desigualdades de género (aliás, a Agenda de Desenvolvimento e Direitos Humanos deve estar concluída em 2030). Eis uma boa sugestão de leitura por ocasião deste 8 de Março: o apelo lançado por este grupo de mulheres aos líderes políticos e económicos de todo o mundo: The Call to Action “Women Leaders: Time to Step it up for Gender Equality”. Sim, é bem verdade: we have waited long enough! (já esperámos tempo suficiente)
(*) Sara Falcão Casaca

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