segunda-feira, 9 de março de 2015

O NEGÓCIO DA ÁGUA



Aproveitando uma frase pronta a usar, não nos podemos esquecer de que há mais vida para além do triste espectáculo proporcionado pelos enredos fiscais em que Passos Coelho se envolveu e pelas rábulas de Cavaco neste penoso final de mandato.
Um mundo dominado pela doutrina neoliberal caracteriza-se, em primeiro lugar, por transformar em negócio tudo que seja passível de criar lucros. Vivemos em plena hegemonia dessa doutrina e temos um governo que é seu fiel seguidor.
Por outro lado, o principal partido da oposição, o PS, apesar de toda a retórica desta fase pré-eleitoral, não apresenta diferenças ideológicas significativas em relação à maioria de direita no poder. Se os “socialistas” ganharem as próximas eleições, o mais que podemos obter é uma alternância de Governo sem haver alternativa de políticas. O negócio da água será um bom exemplo para provarmos esta realidade que o povo português ainda não quis alterar. Para não nos alongarmos mais, deixamos aqui uma abordagem muito a propósito deste tema, num texto (*) que retirámos do Diário de Coimbra da semana passada.
A água sendo um bem público essencial é igualmente um bem cada vez mais escasso e determinante para a sobrevivência de todos os seres vivos do Planeta. Trata-se, sem dúvida, de um direito humano fundamental a ser preservado da gula daqueles que pretendem transformar a sua “produção” e fornecimento num negócio altamente lucrativo, suportado pelo consumidor com tarifas/preços cada vez mais elevados.
As grandes multinacionais europeias e americanas estão interessadas no “negócio da água”, pois o sector tem sido bem gerido na esfera pública através de elevados investimentos dos municípios em infraestruturas e meios tecnológicos, para satisfazer as necessidades básicas de abastecimento de água de qualidade, com custos partilhados pelos consumidores e autarquias locais visando a manutenção de preços socialmente aceitáveis.
Na verdade, o modelo em vigor no nosso país, assente em sistemas multimunicipais tutelados pela empresa Águas de Portugal, está a gerar elevados custos para os municípios, na medida em que estes são obrigados a suportá-los pela imposição do modelo das conhecidas PPP (Parcerias Público Privado), sendo que existem muitos municípios em incumprimento por causa das exorbitantes condições contratuais.
No mundo, na Europa e no nosso país, as tendências neoliberais aprofundam-se com o claro propósito de transformar o serviço público de água num negócio altamente lucrativo. O governo está a dar todos os passos adequados à entrega do sector da água aos privados, já que a privatização da EGF (sector dos resíduos sólidos urbanos), está a servir de “laboratório” à futura privatização da água, tendo como meta condicionar o funcionamento e autonomia dos municípios.
O modelo criado pelo actual governo, assente numa pretensa regulação da ERSAR para os sectores da água, dos resíduos sólidos urbanos e águas residuais, implicará uma subida generalizada dos preços a serem suportados pelos consumidores e/ou pela autarquias, já que a fixação das tarifas passa para a esfera de competência da referida entidade reguladora, em detrimento do actual modelo de fixação das tarifas pelos municípios, violando o princípio constitucional da autonomia do poder local.
Ora, esta entidade administrativa ao “usurpar” a competência das autarquias, pela mão do governo, mais não faz do que preparar o caminho para a privatização do sector da água aumentando as tarifas para patamares que tornem o “negócio da água” altamente lucrativo para os privados. O governo quer entregar o sector das águas aos privados, sem as necessárias contrapartidas financeiras, depois de terem sido realizados elevados investimentos públicos pelos municípios, nas últimas décadas.
A meu ver, os principais partidos devem debater este tema na próxima campanha eleitoral para as eleições legislativas, sendo certo que o actual governo é a favor do “negócio da água”, mas o principal partido da oposição deve tomar uma posição clara e inequívoca sobre esta matéria. Está por provar que a gestão privada é melhor que a pública, vejam-se os recentes casos na banca e nas telecomunicações. 
 (*) Manuel Claro

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