domingo, 15 de março de 2015

OS CONTRIBUINTES VIP E OS OUTROS…


Passos Coelho, depois de representar a face da austeridade radical – para não usarmos um termo mais violento – passou agora a ser também o rosto do incumprimento das obrigações contributivas.
A imagem de homem honesto que a propaganda partidária lhe atribuía até agora não tinha grande correspondência com a realidade, na medida em que o caso dos rendimentos da Tecnoforma nunca foram explicados e, como agora se vê e diz o povo, “a ocasião faz o ladrão”. Afinal, suspeita-se que, além de Passos Coelho se esquecer cumprir as suas obrigações fiscais, também o fisco se esqueceu de o chamar à pedra. Coincidências afirmarão os mais ingénuos enquanto os mais avisados terão poucas dúvidas de que aqui há marosca da grossa, como o prova a famosa lista de contribuintes VIP…
O caso do incumprimento fiscal de Passos Coelho já tem feito correr muita tinta e assim vai continuar porque se trata de uma situação incontornável em toda a acção do primeiro-ministro como governante e é bom que os portugueses não o esqueçam no momento em que forem votar nas próximas eleições legislativas. O texto seguinte (*) que transcrevemos do Diário as beiras é mais um para não deixar que este caso seja esquecido.
Há nos desenhos animados duas personagens muito parecidas, andam sempre juntas e todos receiam as suas diabruras. Ambas disputam malandrices e ninguém na cidade dos brinquedos está livre de lhe pregarem uma partida. Acontece que o sonso é mais ingénuo e o Mafarrico mais espertalhão. Mas ambos, nas histórias do Noddy acabam por pagar pelas suas travessuras.
É uma boa lição de moral ensinada às crianças. Mas a vida real não é como a cidade dos brinquedos e há nela circunstâncias que deviam conhecer um final diferente. O mais recente escândalo que envolve o incumprimento contributivo e fiscal do primeiro-ministro Passos Coelho, mesmo reportando-se a circunstâncias passadas, daria demissão em vários países com exigência crítica e escrutínio democrático sobre os que exercem funções governativas.
Durante cinco anos Passos Coelho não fez descontos para a segurança social e acumulou uma dívida só saldada quando os jornalistas descobriram o calote. Pagou, segundo o próprio, por pressão do jornalista do Público José António Cerejo. Passos disse que achava que nessa altura fazer descontos para a Segurança Social era opcional. Ele disse desconhecer a lei que tinha obrigação de conhecer. Faltou-lhe o dinheiro, sobrou-lhe o esquecimento. A Segurança Social deixou prescrever a dívida, quando para outros é tão astuta, sagaz, apressada e insensível. Mesmo assim o Mafarrico e o Sonso afinal parecem safar-se no mundo real. Curiosamente, Passos negou dar mais esclarecimentos por entender tratar-se da sua vida pessoal.
Teriam os jornalistas direito a questioná-lo sobre as suas prevaricações contributivas? Ele pensa que não. Eu acho que sim por dois motivos. O Código Deontológico dos jornalistas portugueses estabelece que deve ser respeitada a privacidade das pessoas, exceto quando estiver em causa o interesse público. Vejamos, o primeiro-ministro não é um cidadão comum, é o timoneiro das políticas públicas que impendem sobre os outros indivíduos. Muitos destes vivendo com fortes constrangimentos e não vislumbrando o Estado qualquer contemplação face à situação aflitiva em que caíram. Ora, tendo sido descoberta uma prevaricação cometida pelo chefe do Governo, isso tem manifesto interesse público. Por outro lado, a postura de Passos Coelho na imposição da austeridade, bem como a imagem de seriedade que publicamente tem cultivado, contradiz manifestamente os factos agora conhecidos sobre as suas obrigações contributivas, o que o diminui moralmente no cargo, pois fica sem autoridade para exigir cumprimento aos cidadãos quando ele próprio passou a ser o rosto do incumprimento.
Perante o tribunal do escândalo (os media), as figuras públicas são alvos preferenciais. Estes correm o risco de que o seu comportamento privado possa ser visto como inconsistente com valores e crenças que publicamente defendem. Passo esqueceu-se de declarar os rendimentos da Tecnoforma, esqueceu-se das contribuições à Segurança Social, esqueceu-se de pagar atempadamente ao fisco. E perdeu a autoridade… Paulo Portas sempre olhado de lado pelo PSD presumindo o seu envolvimento em vários escândalos, conhece bem o valor da expressão “quem ri por último…”
Em entrevistas à imprensa, alguns amigos relatam que ele era desorganizado. O Pedro das regras foi afinal um perdulário. O Pedro alemão foi um português comum que se atrasou, apanhou multas e deixou contas por pagar. O Mafarrico pôs o chapéu de Sonso esperando assim passar incólume na cidade dos brinquedos. 
(*) Bruno Paixão, investigador em comunicação política

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