domingo, 1 de março de 2015

OUTRA VEZ A RIA DE ALVOR


Ainda não passaram três anos desde que foram impedidas tentativas de projectos que levariam, na prática, à destruição da qualidade ambiental e paisagística da ria de Alvor e já se perfila novo ataque àquela zona protegida, uma verdadeira pérola do barlavento algarvio. Nada fazia acreditar que tal atrevimento fosse possível, depois de decisões judiciais tão fortes e tão recentes mas o que agora está a passar-se deve servir de alerta para todos os habitantes da região em particular e do país em geral.
Para além das movimentações que estão a ter lugar localmente, é sintomático que mais este ataque à zona protegida da ria de Alvor comece a ecoar mais longe como se verifica pela tomada de posição de Luísa Schmit, doutorada em Sociologia do Ambiente, em artigo de opinião no Expresso de ontem – 28 de Fevereiro.
Outra vez no Algarve, outra vez no litoral, outra vez numa zona protegidíssima, outra vez mais do mesmo: um projeto imobiliário onde nem pensar nisso devia ser possível. Mas em Portugal acaba sempre por se encontrar a via para mais uma exceção e, depois, uma mão lava a outra.
O caso passa-se na ria de Alvor, especificamente na quinta da Rocha, onde se apresenta agora uma proposta para um Núcleo de Desenvolvimento Turístico, ou seja, um grande empreendimento (dois hotéis, dois aldeamentos e a parafernália que acarretam). Isto, depois de já terem sido impedidas outras tentativas de projetos; depois de uma condenação do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé em 2012 (confirmada pelo Tribunal Central Administrativo do Sul) pela destruição ilegal de valores naturais, obrigando à respetiva reposição; depois dos mais que reconhecidos constrangimentos físicos e legais de qualquer zona costeira; depois do reconhecimento internacional da ria de Alvor, classificada como Sítio de Importância Comunitária e Sítio Ramsar (ao abrigo da respetiva Convenção), além de ser um estuário riquíssimo que funciona como uma autêntica “maternidade” para a vida aquática e marinha e, muito sensível e frágil.
Depois de tanto reconhecimento oficial, leis e decisões judiciais, pensávamos que podíamos estar descansados, pois nenhuma imobiliária iria espetar a sua urbanização naquele magnífico lugar.
Mas não. Para surpresa e alarme constante – não vá o país perder o hábito de ter medo –, uma mão invisível (fundo imobiliário?) acaba de voltar a assomar a Administração com mais um projeto megalómano.
Os contornos da novela são, aliás, fantásticos e passam ainda por vendas a empresas registadas em zonas francas, pelo BPN, pelas dívidas de milhões, pelos então habituais empréstimos sem garantia bancária baseados em especulação que, por sua vez, passaria pela “viabilizaçãozinha” permitindo o salto mortal financeiro – aquele que durante anos se fez e que tanto ajudou a afundar o país, e que agora convinha muito às contas de algumas pessoas e aos bancos.
O custo de tudo isto? Para eles uma ninharia: rebentar com a ria de Alvore com aquelas coisas vagas que alguns tanto desvalorizam, como sejam o respeito pelo bem comum, pelo cidadão, pelo Estado e pela insubstituível Maravilha daquele lugar e sua função vital.
E por falar em Estado, como pode a Administração estar ao mesmo tempo a demolir – e muito bem – casas e casotas nas ilhas barreira da ria Formosa para corrigir alguns dos graves erros de ocupação do passado nessa área natural excecional e, no mesmo Algarve, continuar a deixar-se construir empreendimentos em zonas vulneráveis, destruindo aquilo que atualmente mais valoriza o turismo: a qualidade ambiental e paisagística?
Felizmente, neste caso, como nalguns outros, organizaram-se grupos de cidadãos (incluindo estrangeiros residentes), que se mexem, denunciam e lutam contra a destruição do nosso país. Foi assim na Lagoa dos Salgados/Praia Grande, nas falésias da Pedra do Ouro em Alcobaça, e agora na ria de Alvor, através de várias associações com destaque para A Rocha – Associação Cristã de Estudo e Defesa do Ambiente. E está a ser assim também com os clubes de surfistas um pouco por todo o país.
O projeto esteve em consulta pública até ao passado dia 20 deste mês [Fevereiro]. Mas todo o cuidado é pouco nesta fase. Com a chegada de novos fundos comunitários (2014-2020) e nas vésperas da mudança de um governo para outro, maior é o perigo das velhas negociatas do costume, cozinhando projetos PIN à pressa para caírem no colo dos governantes que entram.

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