sábado, 25 de abril de 2015

ERA UMA VEZ… ABRIL



Em cada comemoração do Dia da Liberdade, especialmente os mais velhos, procuramos sempre algo de inédito que ainda desconhecemos sobre a nossa história recente relacionada com a institucionalização da democracia em Portugal. Com o passar do tempo vai sendo cada vez mais difícil descobrirmos imagens ou textos ligados a acontecimentos que marcaram os últimos 41 anos de vida do nosso país.
Não vamos apresentar hoje aqui qualquer documento inédito mas uma reflexão recente (*) e muito interessante que tivemos a sorte de encontrar no Diário de Coimbra de há três dias e que retrata o que está a sentir a geração que viveu a euforia e a esperança nascidas da Revolução dos Cravos e projectadas no actual desencanto.
Para os homens e mulheres da minha geração é inevitável falar nesta altura do 25 de Abril de 74. Os acontecimentos a que assistimos e os momentos que vivemos foram de tal maneira intensos, importantes e únicos que ficaram para sempre a latejar na nossa memória e a marcar as nossas vidas.
 A questão é que não imaginávamos que esse dia se iria tornar uma simples recordação. Pensávamos que ele nunca mais acabava e que seria um dia de muitos anos, sem noites nem negrumes. Ingenuamente acreditávamos que os cravos não morriam e confiámos que o tempo estava a nosso favor. Cheios de ilusões tínhamos a certeza de que o essencial estava assegurado e que não havia cinismo capaz de dar cabo da esperança que nos invadira.
Grandes esperanças e grandes expectativas eram companheiras diárias até que, pouco a pouco fomos percebendo que havia quem se divertia com a nossa ingenuidade e utopia. Não sabíamos bem o que se estava a passar mas pressentíamos um inimigo silencioso que nos ia desgastando e encaminhando para uma viela tortuosa e sombria fazendo-nos acreditar que aquele era o caminho que nos levaria à grande avenida dos jacarandás floridos e sobretudo o único caminho possível.
E um dia descobrimos que nos tinham feito andar em círculo e que por pouco não estávamos a voltar ao círculo da partida. Souberam convencer que éramos ricos de pobreza, que trabalhávamos pouco e mal e que a redenção estava no trabalho precário e mal pago. Criaram uma farta bolsa de desempregados para o recrutamento fácil e sem direitos. E, até assistimos, no meio de tudo isto, ao aplauso de tantos que não perceberam que eram eles o verdadeiro alvo desta sociedade do futuro sem futuro.
Com inteligência perversa e com conivência prostituta de alguns, foram inculpando a política por todos os males enquanto engordavam as suas contas na Suíça ou em offshores exóticos. E até criaram uns políticos obedientes e venerandos, uns verdadeiros placebos do sistema, cuja realização pessoal se resume à “honra” de uma fotografia nos jornais ou a umas imagens de televisão.
Hoje estamos mais desiguais do que já fomos, mais pobres do que já fomos, menos independentes do que já fomos e menos solidários do que já fomos. Ganhámos em insegurança e perdemos em esperança, tendo assistido à renúncia, quase generalizada, do heroísmo ideológico que nos alimentou e nos dava a convicção de que era possível um país melhor e uma sociedade mais justa.
Chegados aqui percebemos que os anos e a erosão de valores, da ética, do sentido de serviço público nos colocaram frequentemente no sofá a fazer zapping para saber o preço do crude ou o movimento no Dow Jones, no Nasdak, no CAC, no Nikkei, no Dax, etc., porque é aí que está o real jogo do futuro.
Sobre Abril já se diz: Era uma vez…
(*) João Silva

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