sexta-feira, 2 de outubro de 2015

PROJECTAR O FUTURO DA EDUCAÇÃO, PRECISA-SE!


A par da cultura pode-se dizer que a educação também não dá votos. O que se sabe é que este sector determinante para a vida do país necessita das “reformas estruturais” que vêm a ser sucessivamente adiadas de Governo para Governo. O que a coligação PSD/CDS levou a cabo no sector educativo, a que chamou “reformas”, teve exclusivamente a ver com redução de custos através de um desinvestimento sistemático que só beneficiou o ensino privado. Esta acção foi cognominada de “racionalização”, mais uma designação inserida na linguagem orwelliana com que Passos e Portas foram mascarando as diversas malfeitorias levadas a cabo contra os portugueses.
Vem muito a propósito o texto seguinte que retirámos do Público de hoje, onde o autor refere um documento aprovado recentemente no Fórum Mundial Sobre Educação realizado na Republica da Coreia e pouco falado entre nós.
Ouve-se frequentemente que as reformas estruturais necessárias à Educação acabam por ser proteladas devido à brevidade dos ciclos políticos. Reconhecidamente, qualquer mudança no sistema educativo demora tempo a planear-se a instalar e ainda mais tempo a avaliar o seu impacto e resultados.
Alterar algo no sistema educativo tem uma visibilidade presente limitada e por isso se diz que esta falta de visibilidade imediata acaba por desencorajar ou limitar o âmbito das reformas. Por isso são tão bem acolhidos os documentos e as tomadas de posição que projetam a Educação para o futuro e nos convidam a pensar para além dos constrangimentos presentes.
Recentemente, no Fórum Mundial Sobre Educação realizado em Incheon (República da Coreia), foi aprovado um documento intitulado “Por uma Educação Inclusiva e Equitativa de qualidade e uma aprendizagem ao longo da vida para todos”. A simples leitura deste título levanta uma verdadeira agenda programática. Podemos realçar três aspetos: a) “educação Inclusiva e Equitativa” – chamando-nos a atenção que a Educação não deve criar ou agravar desigualdades mas pelo contrário constituir-se como um espaço de diminuir as barreiras à aprendizagem e à educação e desta forma não sublinhar e aprofundar as desigualdades sociais, económicas, culturais entre os alunos, b) em segundo lugar o termo “de qualidade” o que significa que inclusão não é misturar os alunos, não é colocar alunos com dificuldades em escolas que não mudaram em nada a sua forma tradicional de atuar. Pelo contrário para promover a “qualidade” precisamos de valorizar e encorajar todos os alunos para que possam progredir à medida das suas motivações e dos seus sonhos, c) finalmente “aprendizagem ao longo da vida para todos” – daqui se depreende que a Educação deixou de ser há muito uma tarefa em que só a escola é recrutada: educar é responsabilidade das empresas, das comunidades, das cidades, enfim da vida social. Só assim se pode conceber uma aprendizagem ao longo da vida e… para todos.
Mas o documento vai muito mais longe. No seu ponto 7 elege a inclusão e a equidade na educação como pedra angular de uma agenda transformadora e que por isso “nos comprometemos a fazer frente a todas as formas de exclusão e marginalização, às disparidades e às desigualdades no acesso, à participação e os resultados da aprendizagem. Nenhuma meta educativa se deveria considerar atingida se não for atingida por todos”. Mais adiante (ponto 14) se afirma que para cumprir os objetivos de referência internacional deveria ser atribuído à Educação entre 4 e 6% do Produto Interno Bruto e pelo menos 15 a 20 % da despesa pública.
Este documento tem um âmbito mundial e logo tem de abarcar países e realidades muito diferentes. No que respeita a Portugal podemos retirar algumas ilações para o futuro. A principal é que qualquer desinvestimento na Educação é um grave erro que afeta o futuro, a competitividade e a prosperidade dos países e das pessoas. Este desinvestimento é por vezes fantasiado de “racionalização”. Mas é isso mesmo: é uma fantasia. O desinvestimento afeta claramente alguns dos aspetos – chave que este documento procura salvaguardar. Afeta a qualidade, afeta a equidade, afeta a educação ao longo da vida e afeta a universalidade do processo educativo. E damos exemplos: podemos dizer que não há alunos sem professores mas… será que todos têm os professores que precisam para que a sua educação seja bem-sucedida? Podemos dizer que há estruturas para a educação de adultos mas… será que elas respondem capazmente às necessidades, às possibilidades e ao perfil das pessoas que as podem frequentar? É inevitável falar dos alunos com Necessidades Educativas Especiais, cujos apoios tanto pedagógicos como terapêuticos têm sido mitigados de tal forma que é irracional pensar da sua eficiência (por exemplo o que significa para uma criança com Paralisia Cerebral 45 minutos de fisioterapia por semana? Ou para uma criança com dificuldades de linguagem uma terapia da fala 30 minutos por semana?).
Não é fácil pensar numa educação para 2030 mas podemos pensar numa educação para 2019 que será o fim da próxima legislatura. Aparentemente todos os partidos consideram que é preciso um novo ciclo, com novas metas. A coligação no poder diz que “agora é que vai ser…”, “agora Portugal pode mais”. Mas… Pode mais para fazer o quê? Para poder ainda “racionalizar” mais a educação? Para poder ainda reforçar mais uma educação com modelos conservadores e não inclusivos? Para poder ainda considerar que a qualidade deve ser reservada aos “bons alunos”?
Esperamos que não. Gostaríamos que este ciclo de desinvestimento e de conservadorismo na Educação pudesse ser invertido. O caminho destes quatro anos aumenta a distância entre o que se passa em Portugal e as reformas urgentes que temos de fazer para que a nossa educação não seja igual à dos nossos pais, não seja boa só para alguns.
(*) David Rodrigues, Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, Conselheiro Nacional de Educação.

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