quarta-feira, 18 de maio de 2016

ENSINO PÚBLICO VERSUS ENSINO PRIVADO



Continuam a fazer correr muita tinta as alterações ao financiamento do ensino privado com dinheiros públicos. Levantou-se uma intensa polémica sem justificação aparente dado que estamos perante uma situação que vai afectar, como tem sido sobejamente salientado, uma pequena percentagem de escolas privadas (3%), ou seja, 79 escolas num universo de 2628. Maldosamente fez-se crer à opinião pública que se estava perante um ataque a todo o ensino privado. Como se pode observar pelos números, nada mais falso já que nem sequer se está perante qualquer ataque às escolas com contrato de associação. Trata-se apenas de repor alguma racionalidade nos gastos do dinheiro de todos nós, numa altura em que ele é tão escasso. Tudo está perfeitamente explicado mas a verdade é que estamos perante forças muito poderosas que não querem abdicar de privilégios indevidamente concedidos, à custa do esbanjamento do dinheiro dos contribuintes.
Achámos interessante divulgar aqui a opinião de sociólogos da educação (*) de 8 universidades – gente que sabe do que fala quando aborda esta temática. Pensamos que é uma contribuição importante para esclarecer quem ainda poderá manter dúvidas.  
As mudanças no financiamento público ao ensino privado suscitaram, nos últimos dias, um debate intenso no espaço público. Consideramos importante que tal discussão seja informada pela investigação científica que se tem realizado sobre o tema.
Existem países onde o Estado financia apenas as escolas públicas e outros em que financia escolas públicas e privadas. As comparações são inconclusivas quanto ao modelo mais eficiente ou mais igualitário. Nem sequer existe uma tendência internacional. Mas sabemos que uma alteração abrupta de um modelo público para outro de mercado tem custos económicos avultados no curto prazo e, como ocorreu na Suécia recentemente, pode ter resultados decepcionantes, nomeadamente, no desempenho em provas internacionais.
Os estudos têm mostrado também que, em Portugal, a proporção de alunos imigrantes, com necessidades educativas especiais ou em situação de pobreza nos colégios privados é menor, mesmo naqueles com contratos de associação, o que pressupõe alguma seleção na admissão dos alunos. E, neutralizando as condições socioeconómicas das famílias, os alunos das escolas privadas não têm revelado mais competências do que aqueles que frequentam a rede pública.
A Constituição da República Portuguesa define, no artigo 75º, que: “1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população; 2. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei”. Esta formulação apresenta uma clara orientação para o primeiro modelo, tendo os contratos de associação sido criados para suprir carências da oferta pública, em determinados territórios e períodos de tempo. Além de uma revisão constitucional, a mudança para uma política de “livre escolha” implicaria subsidiar todas as outras crianças e jovens que estão em colégios privados, o que significaria, desde logo, um acréscimo de cerca de 20% no Orçamento para a Educação.
O que ocorreu é que alguns colégios privados, através de relações pouco claras com autarcas, direções-regionais e/ou governantes, conseguiram captar financiamento do Estado em territórios em que a oferta pública é suficiente ou, em alguns casos, fizeram perdurar os contratos de associação, quando a criação de escolas públicas nas imediações ou as mudanças demográficas os tornaram redundantes.
Passados vários anos de uma política austeritária que impôs enormes cortes no financiamento à educação pública, provocando fechos de escolas, reduções do pessoal e um estreitamento dos currículos, grande parte da opinião pública tem dificuldade em aceitar que se acuse de ilegítimo e radical uma política de racionalização e igualdade, evitando desperdícios anuais de milhões de euros ao erário público. Aliás, é o modelo de competição entre escolas públicas e privadas, ambas financiadas pelo Estado, que gera maior instabilidade, obrigando a despedimentos e a remodelações sucessivas, em função do número variável de crianças que se inscreve em cada escola.
A liberdade na educação não significa, necessariamente, o direito de os pais colocarem os filhos num colégio privado sem pagar mensalidades. A segregação das crianças e jovens por escolas distintas, em função das convicções dos pais e das estratégias das próprias escolas, não garante uma educação (nem uma sociedade) melhor. A liberdade na educação pode ser todas as crianças e jovens frequentarem escolas de qualidade, onde a diferença seja aceite e valorizada, onde as desigualdades e exclusões sejam combatidas, onde tenham experiências pedagógicas e curriculares diversificadas, onde escolham atividades e aprendizagens que correspondam aos seus interesses, gostos, necessidades, talentos, aspirações...
Neste sentido, esperamos que a poupança de recursos que resulte desta política seja efetivamente investida em promover a qualidade das escolas públicas. Ou seja, que esse investimento seja dirigido para o combate às desigualdades e para a promoção da liberdade na educação, através de metodologias, conteúdos e atividades que reconheçam a diversidade das crianças e dos jovens.
(*) Pedro Abrantes, Maria José Casanova, Ana Matias Diogo, Bruno Dionísio, João Teixeira Lopes, Susana da Cruz Martins, Rosário Mauritti, Benedita Portugal e Melo, José Augusto Palhares, Maria Luísa Quaresma, Cristina Roldão, Teresa Seabra, João Sebastião, Sofia Marques da Silva, Leonor Lima Torres, Público


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