quinta-feira, 9 de junho de 2016

OFFSHORE DA MADEIRA, UM BORDEL TRIBUTÁRIO



O Bloco de Esquerda tem levado a cabo, quase sozinho, uma luta exaustiva contra o offshore da Madeira, um centro de opacidade fiscal que vem servindo para lavagem de dinheiro sujo das mais diversas proveniências e fuga aos impostos de empresas, criminosos e outros batoteiros fiscais.
Há que denunciar a obstrução que PS, PSD e CDS, sem excepção, têm colocado à criação de legislação que coloque algum travão a tamanhos abusos. Ainda agora isso acaba de acontecer. A desculpa é sempre a mesma: o combate à fraude fiscal e branqueamento de capitais só pode ter efeitos significativos se tiver lugar a nível global. Sendo certo que é fundamental uma acção deste tipo, não é menos verdade que, a nível de cada país alguma coisa pode ser feita.
O texto seguinte, que transcrevemos do Público de hoje, chama “crime legal” ao que actualmente é permitido fazer através dos chamados “paraísos fiscais” e usa palavras muito fortes para classificar a situação. Os sublinhados são nossos.
Trinta e dois milhões de milhões de dólares, o equivalente a 200 vezes o PIB de Portugal, é a estimativa avançada pela Rede de Justiça Fiscal para contabilizar o capital que está parqueado em paraísos fiscais e à margem do sistema financeiro. Um relatório do FMI revela que anualmente há 300 mil milhões de dólares de evasão fiscal nos países em desenvolvimento, que correspondem a impostos que ficam por pagar em que os rendimentos são obtidos e privam os Estados de poderem realizar investimento em escolas e hospitais para os mais pobres.
Na sequência do megaescândalo dos Documentos do Panamá, que meteu no mesmo saco políticos, celebridades e criminosos, a Comissão Europeia foi obrigada a acelerar o processo de revisão da 4.ª Diretiva comunitária relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, e à adoção de outras políticas suscetíveis de conferir maior transparência e justiça fiscal na Europa.
Nos últimos dias, os eurodeputados têm estado reunidos em Estrasburgo e os principais grupos parlamentares com assento na Assembleia da República agendaram para hoje a discussão de um conjunto de propostas sobre transparência financeira. Na prática, e à excepção da proibição do uso de ações ao portador e da redução do montante máximo para transações em numerário, que têm aprovação garantida no Parlamento, as restantes medidas não passam de operações de cosmética para marcar a agenda política e nenhuma das propostas é suportada por estudos técnicos e de impacto da eficácia das medidas.
Um dos temas em cima da mesa está relacionado com o offshore da Madeira, que na prática tem funcionado como um bordel tributário que permite a fuga aos impostos por parte das multinacionais que usam a sobrefaturação para empolar os custos das mercadorias e fugir aos impostos. Esta situação tem provocado um aumento artificial do PIB da Madeira, impossibilitando a região de ter acesso a fundos comunitários para apoio à insularidade e ao fundo de coesão previsto na Lei das Finanças Regionais para auxílio às regiões ultraperiféricas. Estas práticas constituem uma violação grave das cláusulas antiabuso previstas na Lei Geral Tributária, das medidas de diligência obrigatória para identificação dos beneficiários finais estipuladas na diretiva comunitária sobre branqueamento de capitais, das normas internacionais de conformidade bancária e das regras da OCDE que regulam os preços de transferência.
O offshore da Madeira, que sempre teve fortes ligações ao escritório de advogados da Mossack Fonseca, coloca Portugal na rota da batota fiscal internacional. O que poderia ser um instrumento estratégico de criação de emprego e desenvolvimento regional não passa de um viveiro do crime organizado para as máfias internacionais lavarem dinheiro e um ninho de corrupção que protege as fortunas de uma elite de piratas e terroristas fiscais ávidos por transferir a carga tributária para os pequenos contribuintes.
O argumento da legalidade é uma questão de poder e não de justiça. Quando a lei não é igual para todos, os cidadãos têm de exigir que os políticos mudem a lei. Caso contrário, teríamos de voltar a legitimar a escravatura, o apartheid, o colonialismo, o Holocausto, a impossibilidade de as mulheres exercerem o direito de voto e outras leis que apenas existiam, e existem, para ocultar fortunas de uma minoria rica e poderosa que capturou a economia e o poder político.
O que diferencia um estadista de uma marioneta partidária é a vontade e a coragem de fazer o que é correto na política em detrimento do politicamente correto.
(*) João Pedro Martins, economista e investigador

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