domingo, 3 de julho de 2016

E SE NOS FOREM APLICADAS SANÇÕES?


A proposta de Catarina Martins, no discurso de encerramento da X Convenção do Bloco de Esquerda, no sentido de levar o povo português a pronunciar-se sobre o que fazer caso sejam aplicadas sanções ao nosso país no âmbito da União Europeia (UE), levou a tomadas de posição desabridas e incompreensíveis, principalmente vindas da esquerda.
Como aqui já deixámos bem vincado, aproveitando o histórico apresentado pelo Expresso de sábado (2/7/2016) relativamente á posição dos diferentes partidos no que diz respeito a um referendo sobre a Europa, verifica-se que todos eles já alguma vez se mostraram favoráveis a uma consulta popular nesse âmbito.
Não causa, pois, admiração que algumas figuras do BE venham a terreiro tomar posição sobre aquilo que Catarina Martins defendeu na X Convenção. O artigo de opinião que José Manuel Pureza assina na última edição do Expresso, que apresentamos a seguir, é disso exemplo. O vice-presidente da AR e deputado bloquista alicerça a sua tomada de posição numa questão simples: o que fazer caso sejam aplicadas as famigeradas sanções?
Já sabemos que “conversações de gabinete”, perante forças tão poderosas levam invariavelmente a nada… Leia-se, então, o que escreveu José Manuel Pureza.
Numa União Europeia que se tornou num espaço disciplinar e punitivo, a gestão do medo ocupa o comando da política. O maior aliado da política do medo é o ódio. Na verdade, cada um deles precisa do outro para se legitimar. O europeísmo do medo, para supostamente lutar contra a extrema-direita, aceita disputar a política no terreno delae torna-se campeão dos cortes nos direitos sociais e nos serviços públicos, instalando um clima de perda de competitividade selvagem de que se alimenta o ódio contra o outro. O maior inimigo do medo é a participação democrática. A uma Europa que gere estrategicamente o medo das periferias geográficas e sociais só se pode contrapor uma Europa de vontade genuína dos povos e, por isso, da amizade pela democracia.
No topo do argumentário da política do medo está a tese estafada de que quem critica a União Europeia em nome da democracia é contra o “projeto europeu”. As dicotomias armadilhadas têm destas coisas: fazem dos críticos verbais da União Europeia, mas alérgicos à luta por expressões de democracia concreta, amigos da tranquilidade de Juncker e Schäuble. Quem é hoje vítima da austeridade precisa de aliados contra a austeridade, no concreto e não só em palavras, por mais certas que elas sejam. É bom que a critica democrática saiba responder por atos concretos, em vez de passar o tempo a analisar e a lamentar o sucesso da extrema-direita britânica.
Desarmadilhemos, pois, os dualismos que nos tolhem a coragem e os movimentos. A critica à União Europeia em nome da democracia não é a defesa dos nacionalismos, da mesma forma que a democracia concreta – e o referendo como uma das suas expressões participativas – está no avesso do horizonte querido pelos populismos xenófobos. Se tudo o que é oferecido aos povos da Europa é a escolha entre esta União Europeia, de austeridade e desemprego, e os nacionalismos fascistas, abdicar por combater por algo mais do que meras palavras de crítica que abra caminhos à democracia exigente é ser complacente com a fogueira que faz a tragédia da Europa. Porque há uma coisa, pelo menos uma, que há muito devia estar clara para todos: não será por conversações de gabinete nem por batalhas de Facebook que se mudará seja o que for na União Europeia. Sem disputar maiorias sociais para a mudança em cada Estado, e em toda a Europa, nenhuma mudança ocorrerá.
Há uma escolha política que é agora de primeiríssima importância em Portugal. Uma escolha decisiva. Essa escolha é entre o campo da obediência – convicta ou resignada – às sanções ou da mobilização contra as sanções. Todos os partidos no parlamento, o Governo e o Presidente da República afirmaram que a imposição das sanções a Portugal é absolutamente inaceitável. Muito bem. E o que farão se houver sanções?
Todos os partidos portugueses sem exceção defenderam nalgum momento referendos a tratados europeus. Trata-se de uma promessa feita e sucessivamente incumprida (Maastricht, Tratado Constitucional, Tratado de Lisboa, Tratado Orçamental…). O que a democracia tem de exigir é que não haja sanções e que o tratado que as prevê – o Tratado Orçamental – seja impedido de se tornar direito comunitário. Se houver sanções não bastam as palavras. É imperioso um gesto concreto. E o mínimo que esse gesto tem que ser é dar voz a todos para nos podermos desvincular desse tratado antes que já não o possamos fazer.
Contra a política do medo, as palavras são importantes. Se elas forem suporte de gestos concretos de disputa democrática e de oposição aos ódios, então são da máxima importância.  

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