quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

JOSÉ AFONSO, SEMPRE NOS NOSSOS CORAÇÕES



Passam hoje exactamente trinta anos sobre o falecimento de José Afonso e, com toda a naturalidade, muita coisa se vai dizer e escrever sobre o cantor de Abril. Não temos a pretensão nem a capacidade de elaborar algo de novo para homenagear o Zeca e, por esse motivo, socorremo-nos de um texto assinado por Nuno Pacheco que veio à estampa no Público de hoje e, do qual retirámos o seguinte excerto.
Hoje, assinala-se uma morte, a de José Afonso, há trinta anos. Comemore-se, por isso, a sua vida. Há precisamente dez anos, numa destas crónicas, escrevi umas linhas que hoje aqui repito, sem lhes alterar uma vírgula: "José Afonso foi, ainda é, uma das grandes figuras do nosso tempo, desse que liga pouco ao calendário e se espraia por sobre os séculos. Não trabalhou, escreveu ou compôs pela fama, por um possível sucesso, sequer pelo dinheiro. Vivia remediadamente, a olhar por cima das coisas a que dava menos importância, trivialidades que não iam bem com o seu estado de espírito. Portugal, já o escrevi em tempos, castigou-o como professor, esgotou-o como músico, maltratou-o como homem. A tudo resistiu, porque era assim que via a vida: como um acto de resistência, uma revolta contra o vazio. A música que criou, mesmo quando a menosprezava (chegou a fazê-lo, nos tempos mais amargos), é hoje um cancioneiro belíssimo, luminoso, imaculado até nas imperfeições. Aos poucos, talvez os mais novos o descubram, com o mesmo espanto e avidez com que outros o descobriram ao tempo em que ia compondo. Para isso hão-de contribuir velhos discos, livros, reedições, obras abertas ao prazer de contínuas descobertas. E novas versões, recriações, que surjam a rasgar horizontes, renovando criativamente a matriz."
Agora que se assinala a data, por iniciativa da Associação José Afonso, sob o justo mote Insisto não ser tristeza (ele não suportava lamechices, ainda menos causá-las), ressurge nas livrarias o livro Zeca Afonso, o Que Faz Falta - Uma Memória Plural. A edição actual é da Guerra & Paz (a primeira, esgotada, era da Campo das Letras, com data de 2004) e aos depoimentos iniciais juntaram-se alguns outros. Que ajudam a entender melhor o papel de José Afonso em determinados cenários ou períodos. Por exemplo, em Coimbra, onde tudo começou — e disso falam Durval Moreirinhas, Rui Pato ou Luís Goes (entretanto falecido, assim como outro dos participantes no livro, Almeida Santos). Ou na Galiza, e disso nos fala apaixonadamente Benedicto García Villar ("Talvez ninguém me tenha entendido como na Galiza", disse um dia José Afonso). Ou da Grândola como senha do 25 de Abril, e aqui a palavra cabe ao capitão do MFA Carlos de Almada Contreiras. Ou da importância de certa noite, ainda em 1973, onde ele foi cantar O que faz falta para que uma fábrica não fechasse e ela não fechou — era a Fábrica de Papel da Abelheira, do grupo Champalimaud, de onde saiu o papel para imprimir o livro Portugal e o Futuro, de António de Spínola, obra que, como recorda João Paulo Guerra, "forneceu a muitos dos Capitães de Abril uma bandeira e um ideário para derrubar o regime."
E há, no meio de tantas histórias, frases que ajudam a retratá-lo. José Jorge Letria, autor do livro e do extenso texto que serve de intróito aos depoimentos, diz que "o Zeca nunca teve idade. Tão depressa era meu irmão mais novo como meu pai"; Francisco Fanhais descreve-o como "um marginal no mais nobre sentido da palavra"; Carlos do Carmo sublinha nele, "para além do inquestionável talento, a ausência de batota, a pureza de um felino que, sem querer ser exemplo para ninguém, acabou por sê-lo de uma forma superior"; e, entre tantos outros, Alípio de Freitas chama-lhe "meu irmão de fé". Na resistência e na humanidade.

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