sexta-feira, 24 de março de 2017

UM MUNDO ÀS AVESSAS?


O mundo parece estar virado de pernas para o ar. Cada vez mais, somos levados a concluir que a inversão de valores é um dado adquirido e estamos a caminhar para um Universo orwelliano onde o poder dos mais fortes passa por cima de leis e tratados, em seu exclusivo benefício e de uma forma inconcebível. Os exemplos sucedem-se de uma forma muito rápida como podemos constatar no seguinte artigo de opinião (*) que transcrevemos do Diário de Coimbra de ontem (23/03/2017).
Num curto espaço de tempo o inconcebível em política acontece e eis-nos perante uma chanceler alemã acusada de práticas nazis por um turco desvairado e a ver recusado um simples aperto de mão, em plena sala oval da Casa Branca.
Mas Erdogan e Trump foram ainda mais longe. O primeiro convidando os turcos “vivendo na Europa a manifestarem-se pelos seus direitos” – as prisões turcas estão cheias de juízes, procuradores, militares, jornalistas e curdos – e a multiplicarem o número de filhos para dignificarem a pátria.
Trump, pelo seu lado, exigiu que a Alemanha pagasse o que deve à NATO – uma nota oficial do governo indicou, posteriormente, que a sua contribuição financeira na estrutura militar foi sempre assumida – e manteve a sua linha protecionista no plano da mundialização, ignorando a defesa de questões ambientais, decorrentes do encontro de Paris (COP21). Dias depois e na reunião do G20, foi por demais evidente uma inflexão das posições assumidas anteriormente pelos países membros, limitando-se a passar, a papel químico, as exigências de Washington.
Já neste continente e na Holanda, as legislativas deram a vitória ao atual primeiro-ministro conservador-liberal, apesar da queda de eleitos (-8), com a Esquerda-Verde de Jesse Klaver (pai marroquino e mãe de origem asiática) a obter mais dez deputados (14) e o partido trabalhista a afundar-se (38 para 9), onde personifica o insolente Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, que terá de deixar de ocupar estas funções, apesar de já haver uma luta intestina nos corredores de Bruxelas para manter quem tem servido de moço de fretes do ministro das finanças alemão e afrontado dirigentes políticos democraticamente eleitos – o que não é o seu caso –, o que seria um escândalo.
Com Bruxelas e os seus escândalos, a resposta continua a ser um encolher de ombros, como se não bastassem os problemas derivados de uma gestão política danosa para a evolução das nações europeias, com consequências nefastas para quem ainda consegue um trabalho decente, garante de uma sustentabilidade futura e os mais jovens que o digam.
Contrariando a deliberação do Centro Internacional de Investigação sobre o Câncro, uma agencia da Organização Mundial de Saúde, e no dia seguinte à divulgação pela justiça americana de documentos secretos da empresa Monsanto – agora da alemã Bayer por 66 mil milhões de dólares – sobre o glifosato (round-up) demonstrando que beneficiou de conivências para evitar uma qualificação negativa (cancerígena) do herbicida sistémico mais utilizado no mundo, a Agência Europeia de Produtos Químicos valida a sua utilização, assunto, aliás, que se arrastava há quatro anos nos bastidores do Parlamento Europeu.
Enquanto isto acontece, a Comissão Europeia transmitiu ao governo de Rajoy a decisão do Tribunal Europeu (TE) de o obrigar a colocar um ponto final no que designou por “monopólio dos estivadores” nos portos espanhóis, proposta sucessivamente apresentada, sem êxito, no parlamento pelo partido governamental (PP), já que nunca obteve uma maioria simples de votos favoráveis.
Desde final de 2014, momento em que o TE condenou a Espanha a pagar uma multa de 27,5 mil euros/dia, enquanto tal se mantivesse, o que, hoje, significa mais de 23 milhões de dívidas. Inacreditável, mas são resoluções da “nata europeia”, que vive no melhor dos mundos com a vantagem das “portas giratórias”, em termos de emprego e vencimentos de luxo, uma espécie de novo modelo de colonialismo endógeno.
Tais práticas não invalidam o reconhecimento de que cada um de nós corre o risco de ser mais um espectador que está em vias de se transformar “em partículas elementares de uma massa denominada público, no seio de um ambiente tecnológico e financeiro incontrolável”. Como refere a filósofa Marie José Mondzain.
(*) João Marques, diplomado em Ciências da Comunicação

Sem comentários:

Enviar um comentário