quarta-feira, 9 de maio de 2018

A DEGRADAÇÃO DEMOCRÁTICA CRESCE NA EUROPA


“Pela percentagem de representantes de extrema-direita eleitos em diferentes Estados-membros” da UE, se compreende a crescente preocupação de muitos democratas europeus relativamente ao futuro do Velho Continente.
Um dos mais significativos exemplos do que acabámos de afirmar chega-nos da Hungria – mas há mais – onde o partido do extremista Viktor Orbán acaba de obter uma importante maioria absoluta nas recentes eleições, 133 lugares num parlamento com 199 deputados. Se atendermos a que foram eleitos mais 26 deputados noutro partido ainda mais radical à direita, isso significa que no parlamento húngaro os democratas sejam cerca de 20%, ou seja, 40 deputados. Estamos, pois, perante uma situação alarmante, principalmente porque o partido de Orbán, o Fidesz, integra o Partido Popular Europeu, grupo maioritário no Parlamento Europeu de que fazem parte PSD e CDS…, o qual boicota quaisquer resoluções que pretendam condenar o regime húngaro pela crescente violação das normas democráticas, dos direitos fundamentais e do Estado de direito.
O Ovo da Serpente no centro da Europa é o significativo título de um artigo de opinião de Miguel Cardoso, assessor no PE e professor de filosofia, em que é abordada a situação na Hungria e de onde retirámos o seguinte excerto.
No passado dia 8 de Abril, Viktor Orbán obteve uma maioria absoluta nas eleições na Hungria. Foi reeleito para o terceiro mandato consecutivo e o seu partido, o Fidesz (nacionalista-populista), ocupa agora 133 lugares num parlamento com 199 deputados. Se a estes juntarmos os 26 deputados eleitos pelo Jobbik (extrema-direita), então a oposição fica com escassa margem de manobra. A mensagem que esta eleição transmite deve ser motivo de preocupação para a União Europeia, mais ainda quando a afluência às urnas rondou os 69%.
Viktor Orbán tem, de forma sistemática, colocado em causa a separação de poderes e o equilíbrio entre as instituições democráticas na Hungria, tem reprimido o sistema judiciário, restringido a independência dos órgãos de comunicação social e legislado de forma a dificultar o trabalho das ONG. Os órgãos de comunicação social húngaros estão hoje transformados numa máquina de propaganda que bombardeia os cidadãos com mentiras grotescas acerca dos muçulmanos e dos migrantes, enquanto permanecem em silêncio sobre os inúmeros escândalos de corrupção que atingem o Governo e que já mereceram a intervenção da OLAF, a autoridade europeia anticorrupção. Grande parte da campanha eleitoral assentou em promessas de pôr na ordem os media e organizações independentes, denunciadas como "agentes da influência estrangeira" e "ameaças à segurança nacional". Logo após ganhar as eleições, ordenou que se publicasse uma lista com o nome de 200 activistas, professores e jornalistas que considera próximos de George Soros, erigido como o grande inimigo desta Hungria. Isto sucede num país que passou pela repressão comunista.
A derrapagem democrática e autoritária na Hungria tem sido acompanhada por um discurso musculado contra refugiados, migrantes e a própria União Europeia (UE). “A Europa está a ser invadida e a UE não consegue parar a migração e defender os seus cidadãos.” Esta é a mensagem que Orbán não se cansa de repetir. Lembramos que, em 2015, fechou as suas fronteiras aos refugiados sírios, maltratou-os e negou-se a acolher um que fosse. Quando a Comissão Europeia propôs quotas para o acolhimento dos refugiados do Médio Oriente, Orbán respondeu com uma barreira de arame farpado. A sua oposição à política migratória da UE segue intacta. Também em 2015, defendeu a aplicação da pena de morte.
Estas eleições mostraram que uma extensa parte da população húngara se revê no seu discurso. Pela percentagem de representantes de extrema-direita eleitos em diferentes Estados-membros, acreditamos que uma parte significativa dos europeus também pensa da mesma maneira. Viktor Orbán representa um sério desafio para a UE. Em pleno centro da Europa, temos um governo que rejeita os seus valores democráticos e humanistas, mas que, de mão estendida, continua a aceitar de bom grado os seus cheques. O dinheiro da UE continua a correr na Hungria e arriscamo-nos a que seja usado por Orbán para consolidar o seu regime autocrático. A aproximação do final de mandato desta Comissão Europeia não parece propícia a um braço de ferro com Orbán. Mais ainda porque o Fidesz integra o PPE, o grupo maioritário no Parlamento Europeu, facto que vai resguardando Orbán de qualquer reacção mais radical. A propósito das últimas eleições, Manfred Weber, líder do PPE, reafirmou o seu apoio a Orbán, considerando que “o partido Fidesz está a fazer um bom trabalho na Hungria”. A extrema-direita no Parlamento Europeu também está do lado do primeiro-ministro húngaro.
Como assinalou o El Mundo (9 de Abril), Orbán é hoje uma espécie de semideus para uma elevada percentagem de cidadãos húngaros, com a sagrada missão de defender a Europa da invasão infiel, mas também de todas as obrigações da UE que não lhe convêm. A esperança de que venha a tornar-se mais moderado e razoável tem vindo a desvanecer-se. Pelo contrário, tem-se revelado mais ambicioso a cada dia que passa e não tem encontrado oposição digna de registo. A tecnocracia não parece ter efeito em Orbán.
Numa resolução aprovada no ano passado, o Parlamento Europeu condenou a "grave deterioração do Estado de direito, da democracia e dos direitos fundamentais" na Hungria e apelou às instituições da União Europeia que ponderem dar início a um processo que, em última análise, pode levar à imposição de sanções inéditas contra Budapeste. O texto insta o Conselho Europeu, o órgão máximo da União, composto pelos líderes dos países membros, a agir em conformidade com o artigo 7.º do Tratado da União Europeia. Este artigo permite a abertura de um processo sancionatório quando se "verificar a existência de um risco manifesto de violação grave dos valores referidos no artigo 2.º (dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, Estado de direito) por parte de um Estado-membro”. No entanto, qualquer decisão ao nível do Conselho terá de ser tomada por unanimidade, o que não parece que vá suceder, uma vez que outros Estados-membros, como a Polónia, a República Checa e a Eslováquia (o denominado Grupo de Visegrado), parecem empenhados em seguir a senda da Hungria.

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